12° Congresso Ruepsy

Palavra de criança : diálogos e mal-entendidos entre psicanálise et educação

Resumos de Comunicações Livres

Sábado 03/06

Sessão 9

Os efeitos da demanda de excelência escolar sobre o narcisismo de pais e filhos.
Luciana dos Santos Vieira Barcelos (Universidade Federal Fluminense)
Marília Etienne Arreguy (UFF ) 

Visamos discutir a influência do ideal de excelência escolar na trajetória do estudante, tanto nos aspectos objetivos (sucesso ou fracasso escolar) quanto nos subjetivos (sentimentos de superioridade ou inferioridade em relação à escolarização). Partimos do pressuposto de que o êxito escolar seria resultante do bom desempenho atingido no caso de aproximação de certo “ideal de excelência”. Por outro lado, o fracasso escolar (Patto, 1990) seria amargado por aqueles que se veem distanciados da excelência. Nessa perspectiva, o “aluno excelente” seria aquele que consegue se adequar às exigências suscitadas pela escolarização de alta performance, fundamentada em uma competição coletivamente aceita (Dunker, 2020), porém estruturalmente desigual (Almeida, 2019). Entretanto, a grande maioria da população brasileira ainda não conseguiu alcançar os parâmetros mais basilares de qualidade do ensino.
Em seguimento, pensamos se o narcisismo dos pais poderia ressurgir também no momento da escolarização da prole, contribuindo para que o ideal do eu de estudante busque cumprir os sonhos outrora abandonados pelos pais, dentre os quais, o de êxito escolar a ser atualizado pelos filhos. Nesse sentido, no decorrente encontro com a instância escolar, as demandas apresentadas pela escola se unificariam às dos pais em torno de um ideal fantasmaticamente inatingível. Contudo, uma lógica performática seria mais um canal de produção do fracasso escolar na medida em que afasta o diálogo com ideais educacionais mais heterogêneos e colaborativos. Diante disso, seria necessário o rompimento com imperativos de sucesso, comuns à sociedade no geral (Han, 2015), para se enveredar em alternativas de subjetivação não definíveis de antemão por características narcísicas imaginárias e excludentes.

O entendimento do fracasso escolar como sintoma social no contexto das patologias da contemporaneidade.
Francisco Ramos de Farias (Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro)

A história do fracasso escolar marca o século XX devido à emergência dos saberes de exclusão e controle social. Além da compreensão pautada na suposta incapacidade de adaptação às normas da instituição escolar, temos igualmente a vertente que considera a precariedade de determinados ambientes culturais como também o apelo aos métodos inadequados de transmissão do saber. Diante dessas interpretações, propomos pensar o fracasso escolar no cenário das patologias atuais, considerando-o na rubrica de sintoma social. Para tanto, a dimensão histórica das relações sociais e os saberes produzidos são relevantes, especialmente quando partimos do aforismo “o inconsciente é o social”, afirmamos que o fracasso escolar pode ser pensado como a contingência da produção de saberes hegemônicos, o cenário das transformações históricas, às determinações de natureza inconsciente e a modalidade de discurso dominante de uma época. Enveredando por esse viés, somos levados a refletir sobre o surgimento, na Era Moderna, do discurso e da prática pedagógica, os quais atrelam o fracasso escolar ao insucesso e a expectativa de um funcionamento ideal da aprendizagem. Contudo, indagamos, se compreendemos o fracasso escolar na rubrica de sintoma, qual a verdade recalcada em jogo? Inicialmente enfatizamos o retorno e a insistência do destino que a cultura confere ao mal-estar dos seres linguageiros. Uma vez atrelado a uma vertente histórica, inclui-se no rol das patologias contemporâneas diante dos imperativos relativos à técnica, assentados no ideal de transformar a sociedade por um ajuste produzido pelo progresso científico defendido como caminho para a felicidade, pautado em um modelo de infância aderida à técnica e disponível para o consumo. De resto, o fracasso escolar resiste às demandas sociais produtoras de um nivelamento subjetivo o qual ceifa as expressões de singularidade quando acata o discurso dominante nos espaços instituídos que primam por correções ortopédicas ante o ideal de produção se seres perfeitos.

Dos silêncios e ruídos: quando a ausência de palavra pede uma inscrição política e quando as políticas de acolhimento podem se perder nos ruídos do ‘típico’.
Joana Sampaio Primo (Universidade de São Paulo)

Nosso trabalho versa sobre a escolarização de crianças e jovens imigrantes, investigação centrada em um trabalho de campo realizado na cidade de São Paulo e em Paris. No que tange a experiência vivenciada nas escolas de São Paulo, ressaltamos a grande incidência de dificuldades na aquisição da fala entre as crianças da comunidade andina no Brasil, dificuldades essas que são centralizadas na figura de crianças literalmente silenciosas. Durante nossa pesquisa, aquilo que se apresentava como uma ausência, o silêncio dessas crianças, foi se transformando em um potente significante capaz de mobilizar um barulho institucional que fizesse do silêncio uma inscrição política do direito à palavra. Em relação às escolas parisienses, fizemos observações em salas UPE2A: classes que recebem os alunos recém-chegados e que ainda não falam francês. Se por um lado há uma preocupação no acolhimento e no ensino da língua francesa, por outro não podemos deixar de perceber ruídos em uma tal estrutura: os alunos ficam a maior parte do tempo apartados do restante da escola e ganham um lugar de pertencimento a partir de sua nacionalidade. Será em busca de melhor dialetizar o silêncio que pode ser inscrito como direito político à palavra e a política de acolhimento que pode formar estereótipos do ‘típico’ que pretendemos realizar nossas contribuições a este congresso.

Sessão 10

Escuta do sujeito: ferramenta para fazer face à segregação.
Aline Lima Tavares (Universidade do Estado do Rio de Janeiro)
Sonia Alberti  (UERJ)

Desde 1990, no Brasil, o Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece como prioridade a criação e educação de crianças em suas famílias de origem, determinando medidas de proteção a serem aplicadas quando o direito à convivência familiar estiver ameaçado. Contudo, de nossa práxis, realizada na interface com o Direito, levantamos a hipótese de haver um empuxo à adoção, dependendo do contexto social e econômico. O brilho de heroína atribuído por Lacan à Antígona, decanta do fato de ela não ceder do seu desejo diante do conflito imposto por uma lei que se apresentava como justa. Assim como Antígona denuncia os excessos de Creonte, foi ao ouvir crianças e adolescentes que tivemos notícias do quanto a justiça brasileira pode se tornar violenta quando recalca as profundas desigualdades sob as quais este país se constituiu e que continuam a ter efeitos sobre seus cidadãos. A consequência maior são as chamadas “devoluções” de crianças e adolescentes após sentença de adoção, que, na realidade, contrariam a lei segundo a qual a adoção é medida excepcional e irrevogável. O presente trabalho objetiva indicar a pertinência da escuta do analista em instituições de acolhimento e varas da infância e juventude, o que ilustrará com as falas de uma adolescente que evidenciam as lacunas que se apresentam entre a eficácia jurídica da adoção e os efeitos subjetivos decorrentes desta medida. É somente ao escutar o sujeito em sua singularidade, não o tomando como objeto à mercê da letra da lei e de sua aplicação burocrática, que se torna possível fazer face aos efeitos mortíferos do discurso do mestre sobre sua vida e seu corpo.

O acolhimento gratuito como atualização transgeracional das clínicas públicas de Freud.
Marília Etienne Arreguy (Universidade Federal Fluminense)

Como a escuta psicanalítica pode contribuir em situações fronteiriças eclodidas em contextos educacionais? Como uma escuta psicanalítica « de caráter social » pode, por vezes, « salvar vidas » e restaurar laços sociais em uma sociedade extremamente excludente? Em seu livro “As clínicas gratuitas de Freud: psicanálise e justiça social 1918-1938”, Elizabeth Danto descreve o início da história dos dispositivos públicos orientados pela psicanálise. Vemos hoje o ressurgimento desses dispositivos como uma espécie de herança transgeracional. Essa luta política dentro do movimento psicanalítico atualiza um saber-fazer vinculado à ética do desejo do psicanalista e representa um esforço de escuta voltada às pessoas mais vulneráveis tanto no plano subjetivo quanto no social. Discutiremos, então, o papel da escuta psicanalítica gratuita a partir de fragmentos de casos de sujeitos que sofrem com a violência estatal e vivenciam traumas sociais e institucionais. Partimos do dispositivo Gato em teto de zinco quente, fundado em 2019, dentro da Universidade Federal Fluminense. Inspirado nas técnicas de Ferenczi, este acolhimento configura-se como uma oferta de escuta gratuita em situações de emergência psíquica vinculadas a atos suicidas e episódios de ansiedade incapacitante, especialmente em sujeitos mais desfavorecidos. Pretende-se mostrar a potência desse tipo de projeto na elaboração e integração psíquica dos traumas sofridos por estudantes e educadores mais vulneráveis a esse momento político distópico.

“O que é favela?”: Encontros e desencontros no sulcar da palavra em sala de aula.
Juliana Maddalena Trifilio Dias (Universidade Federal de Juiz de Fora)

Durante uma aula de geografia para 6º ano, trabalhava “Fatores de localização industrial” e perguntei aos alunos por que uma multinacional havia escolhido uma cidade do interior e não uma grande cidade para sua sede. Um aluno imediatamente levantou a mão e disse: “Esta empresa jamais poderia ir para o Rio de Janeiro porque lá ela ia ser assaltada todos os dias”. Perguntei “assaltada?” e ouvi: “É!! Porque lá tem muita favela e tá cheio de bandidos”. Aquela afirmação me surpreendeu, então, depois de alguns instantes, lhe perguntei o que era uma favela e ouvi: “Favela é um aglomerado urbano com o mínimo de 51 habitações”. Novo espanto. Aquela era a definição conceitual do IBGE. Mas afinal, o que era favela? Com a palavra “favela” havia desencontro, diferença e vontade de saber o que seriam as favelas para os alunos. Durante a pesquisa, cada criança fez um desenho de favela e pude seguir com outras perguntas para nossas conversas: Quais histórias já ouviram sobre favelas? O que cada aluno poderia me dizer sobre seu desenho de favela? A palavra, “nunca com um único sentido,” se colocou e me voltei à possibilidade dela mesma sulcar caminhos na formação de professores. O trabalho com a “Geografia da Escuta” em seu “Palavrar” tecido em sala de aula e no fazer universitário possibilitam perguntas com palavras que vão construindo caminho. O que os alunos como seres falantes têm a nos dizer sobre “suas” geografias? Os desenhos de crianças e diálogos tecidos durante a pesquisa nos possibilita caminhar em direção a outras favelas, incidindo na prática docente e em construções epistemológicas a partir do encontro da geografia com a psicanálise no campo da educação.

Sessão 11

Da instância da letra no autismo.
Pablo Llanque Nieto (Université Paris 8)

A palavra não é a linguagem. Na palavra, a dimensão do apelo está em jogo e, consequentemente, o campo do Outro. A palavra se endereça ao Outro, na medida em que “não existe fala sem resposta”, como afirmava Lacan em 1953. A perspectiva se abre quando se considera o sujeito autista que não está no campo da palavra. No autismo, a afânise do sujeito se deu, portanto, não é possível sua inscrição, como sujeito, no campo da palavra. No entanto, embora esteja fora do discurso, ele não está fora da linguagem. Consequentemente, não é apenas o campo da palavra que está em jogo, mas também a instância da letra.
O trabalho subjetivo que o sujeito autista realiza se situa em lalíngua, nisso que faz letra, num nível onde o S1 não faz apelo ao S2. Ou seja, em um tempo lógico que precede a constituição da cadeia significante. A linguagem no autismo se situa no nível onde a letra poderia permitir cifrar alguma coisa do gozo, como receptáculo em que alguma coisa pode ser circunscrita e que assume várias formas. Trata-se de um tratamento do real pela letra, que os casos de Daniel Tammet e de Owen Suskind testemunham, de uma linguagem que tem um caráter privado, uma « elucubração do saber” singular sobre lalíngua. Como trabalhar no nível da letra? Esse é o desafio para aqueles que acompanham o sujeito autista em instituições educativas. Como se desvencilhar dos efeitos de sentido, da metáfora e da metonímia, e aprender a saber-ler o motérialisme (materialismo da palavra) do significante próprio de lalíngua que o autista habita? Como acompanhar sua construção de laços sutis com os outros?

O corpo autista na escola: o que o relato autobiográfico de Naoki Higashida indica para a educação?
Nathália Lopes Machado (Universidade Federal de Minas Gerais)

O presente trabalho, parte de uma pesquisa de doutorado em andamento, tem como objetivo identificar elementos no relato autobiográfico de Naoki Higashida, jovem japonês autista, sobre o seu funcionamento autístico a fim de refletir sobre o processo de escolarização. Pretendemos, portanto, a partir das evidências de Higashida sobre o corpo, refletir a respeito do trabalho de inclusão que pode ser realizado na escola ao mesmo tempo em que tem em vista o funcionamento psíquico do sujeito. Com base nas formulações foucaultianas, a escola possui uma lógica de disciplinamento dos corpos, cuja tendência é submeter o aluno ao poder disciplinar que busca intervir nos corpos a fim de domesticá-lo. Logo, existem demandas educacionais que exigem do aluno determinados comportamentos que podem ser difíceis de serem respondidos conforme a condição subjetiva de cada um. No caso de sujeitos autistas, como pode ser extraído do relato de Higashida, há um gozo que invade o corpo causando comportamentos incompreendidos ao ser defrontado pela lógica fálica. Pode-se pensar, a partir do último ensino lacaniano, que, na estrutura autística, o gozo não passou por uma negativação. Desse modo, o impacto de lalíngua ocorre, mas não se dá a disjunção entre corpo e gozo, resultando em determinados fenômenos corporais e, consequentemente, no modo como o sujeito se relaciona com o corpo. Apoiando-se em psicanalistas lacanianos contemporâneos, cabe questionar como os comportamentos podem ser tomados como efeito de uma enunciação e, ainda, vale interrogar se as manifestações corporais podem ser uma demanda direcionado ao Outro escolar.

Mal-estar na inclusão escolar de crianças autistas.
Diana Wolkowicz (Universidad Nacional de Rosario)
Mariana Scrinzi (UNR)

Este trabalho é um recorte de uma pesquisa intitulada: “Autismo, laço social e inclusão escolar”. Os sujeitos autistas não possuem as ficções necessárias para lidar com a fruição do corpo, embora disponham de alguns recursos: construir um objeto autista, um neo borde corporal e, às vezes, um interesse específico. Os analistas perturbam sutilmente essas defesas que se movem milimetricamente em direção a outros objetos da cultura. A questão ética que sustenta o trabalho não é se o autista se vincula ou não ao Outro, mas com o que ele se vincula ao Outro. Esta questão traz à tona a dimensão da singularidade. Nos casos relatados encontramos com o quê de cada sujeito. Segundo o qual só o S1 – significante mestre é “que anima a vida de cada um” Lacan (1981). A máquina de abraços de Temple Grandin (2010), Desenhos animados da Disney para Owen Suskind (2016), Canções de pássaros de Hikari Ōe (2015) e Os Números de Tammet (2007). A nossa pesquisa busca responder o problema: como sustentar o mais singular de cada um, esse “com que” de tão peculiar, em uma instituição moderna como a escola, voltada “para todos”, seguindo as mesmas normas e os mesmos saberes? O desencontro entre a demanda escolar e as respostas singulares constitui o mal-estar fundador da escola. Em relação ao autismo, esse desconforto se manifesta na forma de impotência do Outro escolar. Como transformar esse desconforto em diálogo para que o equívoco de querer incluir o que não está incluído a todo custo seja posto em prática.

Sessão 12

Para que advenha a palavra da criança: o que nos ensina “O Mensageiro do Diabo” de Charles Laughton.
Baptiste Jacomino (Direction Diocésaine de l’Enseignement Catholique)

John está em silêncio. Ele jurou a seu pai que ele não trairia seu segredo. Junto com sua irmã, ele foge em silêncio, num pequeno barco ao longo do rio negro, até que em uma manhã, Rachel Cooper os acorda. À figura de falso profeta, de pastor invertido encenado por Robert Mitchum, responde a figura de bruxa invertida que é Rachel Cooper. Como tantas bruxas, ela é uma mulher idosa e solteira que acolhe, hospeda e alimenta crianças perdidas em sua casa isolada, mas o que ela oferece às crianças é mais salgado do que doce: ao invés de prendê-las e condená-las a um gozo oral morbidamente silencioso, ela interrompe o gozo que isola com um ritmo e uma lei que despertam. O Mensageiro do Diabo nos ensina que a palavra da criança nem sempre já está dada: é preciso às vezes permitir que essa palavra advenha.
Rachel lhes conta histórias bíblicas à noite. John se reconhece na figura de Moisés, salvo por acaso de um rio. Ele começa a falar sustentado por essa Palavra. Ele encontra aí material para reler sua própria história e assumi-la. Ele tira daí uma dignidade nova que o autoriza a se tornar sujeito. Recorrendo à narrativa, Rachel se contrapõe ao falso profeta. Esse procurava fazê-lo desembuchar. Ele o intimava a falar. Rachel permite que John fale sem nada demandá-lo. O mito bíblico é um meio-termo que permite à criança sair da alternativa na qual está presa: tudo dizer ou nada dizer. É permitindo um certo silêncio que Rachel permite ao mesmo tempo que uma palavra advenha.

A oferta e a demanda no posicionamento dos coordenadores de ULIS-Colégio na relação pedagógica com seus alunos.
Konstantinos Markakis (Université Paris Nanterre)

Em minha pesquisa de doutorado, explorei como certos coordenadores de ULIS-Colégio (Unidades locais para inclusão escolar em escolas de ensino fundamental 2) viviam a relação pedagógica com seus alunos a partir de uma abordagem clínica de orientação psicanalítica em ciências da educação. Para isso, recolhi testemunhos desses profissionais no âmbito de entrevistas clínicas de pesquisa (Yelnik, 2005). O estudo aprofundado dessas entrevistas colocou em evidência a maneira singular pela qual cada um introduz na sua prática cotidiana atividades e/ou gestos pedagógicos que colocam em funcionamento a “experiência escolar” do aluno (Lajonquière, 2020). Nessas condições, as exigências de avaliação se atenuavam e a atenção dos atores se direcionava mais para a experiência emocional decorrente da tarefa. No plano conceitual, me engajo aqui numa reflexão sobre a ligação disso que os coordenadores oferecem a seus alunos e o que Piera Aulagnier (1986) descreve como uma dialética entre a oferta do analista e a demanda do paciente.

A psicanálise como instrumento na formação de professores.
Anderson de Oliveira Amorim (Universidade do Estado do Rio de Janeiro)
Flávio Roberto de Carvalho Santos (UERJ)
Maria de Fátima Scaffo  (UERJ)

A Faculdade de Formação de Professores da Universidade Estadual do Rio de Janeiro/Brasil, na disciplina Psicologia e Educação, aborda autores do desenvolvimento, da aprendizagem e temas do contexto educacional. A contribuição da psicanálise freudiana à educação faz foco nas percepções dos alunos da FFP-UERJ ao estudar a dinâmica psíquica e mecanismos de defesa para ‘ouvir’ o aluno na escola. A psicanálise provoca reflexão da individualidade e das disposições psíquicas no processo de aprender, o que destaca a importância do diálogo sensível e acolhedor por parte dos profissionais da educação. Entender que o aluno é um ser desejante repercute na relação professor-aluno, contribuindo para ampliar, reformular e recriar estratégias no processo de aprender. Futuros educadores com concepções psicanalíticas, renunciam a atividades excessivamente programadas, valorizam a afetividade e processos inconscientes. Assim, a psicanálise privilegia a escuta da palavra, do desejo e da relação do sujeito com o conhecimento, provoca emoções de novas percepções e vivências de si, sentidos e significados diversos na formação profissional e na prática educacional.

Sessão 13

A educação na sociedade neoliberal sob olhar da psicanálise: a formação do sujeito no viver criativo.
Thiago de Camargo Nascimento (Universidade de São Paulo)

Este trabalho tem como objetivo analisar a subjetividade e a fala dos sujeitos em formação, considerando o problema da singularidade na sociedade neoliberal. A sociedade de consumo tende a produzir uma mercantilização da educação, em que os novos sujeitos perdem sua fala pessoal em função da concorrência e do individualismo. Apresenta-se aqui o educador como fundamental para dar oportunidade à criança conhecer um mundo que a antecede, mas também possibilitar que este sujeito em formação possa ser convidado a perceber a sua importância na conquista de sua própria fala e assim sentir que a vida vale a pena. Assim, o educador seria aquele que apresenta as regras de conviver e relacionar-se em um mundo que antecede aquele sujeito, além de valorizar a vivência da criatividade, para que a criança sinta que possa desenvolver sua própria espontaneidade e buscar seu lugar no mundo. Este cuidado pode ser uma alternativa para formar sujeitos que se identifiquem com a sociedade, sem que percam totalmente sua espontaneidade pessoal. Como metodologia, é apresentada a contextualização da sociedade neoliberal em contraste com a singularidade, em seguida, a visão de Winnicott sobre a importância da criatividade e do cuidado para a educação. A criança, ao ser sustentada por um ambiente favorável durante a constituição de sua subjetividade, poderá, na vida adulta, traduzir sua criatividade no trabalho e assim ter uma significação pessoal na vida, preocupando-se consigo e podendo contribuir com o mundo. 

(Des)continuar ou (re)criar: o papel da relação e do desejo na instituição de uma política pública.
Katilen Machado Vicente Squarisi (Universidade de Brasília)
Inês Maria Marques Zanforlin Pires de Almeida (UnB)
Paulo Sérgio de Andrade Bareicha (UnB)

A tarefa de alfabetizar crianças é um processo complexo com dimensões sociais, culturais, políticas e educacionais. Afetada pela pandemia de Covid-19 as políticas públicas foram desafiadas a cumprir seus propósitos. O objetivo deste trabalho foi analisar e discutir o (im)pacto da política pública brasileira Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa – PNAIC, na formação de professores alfabetizadores, ressaltando possíveis implicações na prática docente. Como alfabetizar uma criança por meio remoto?  Esta e outras questões circundam o conjunto de (in)certezas e (des)estruturas do pensamento e das ações docentes, permitindo imersão neste universo dos educadores a partir de uma leitura reflexiva e análise crítica de suas impressões deste Programa de governo. Participaram da pesquisa professores alfabetizadores que estiveram presentes nas formações do PNAIC. Utilizou-se como procedimentos de pesquisa o dispositivo da escrita da memória educativa, entrevistas semiestruturadas, o hypomnemata (caderno de notas). A referência teórica é fundamentada em estudos psicanalíticos organizados em três eixos do estudo: A transferência no ato educativo: desejo de saber; Efeitos subjetivos na formação docente: marcas de pertencimento; Mal-estar na alfabetização: impasses na constituição da postura profissional. A partir da referência psicanalítica da ética do sujeito em sua singularidade, aproximamo-nos dos (im)possíveis que permeiam os processos intersubjetivos na relação do educar e das marcas do desejo. O ato alfabetizador é recriado resilientemente e sustentado pelo invólucro psíquico da sala de aula.

A roda viva do desejo: isso que movimenta e anima o sujeito-criança.
Adail Silva Pereira dos Santos (Universidade de Brasília)
Inês Maria Marques Zanforlin Pires de Almeida (UnB)

Recorte temático da pesquisa de doutorado que propõe analisar como os desejos ditos/não ditos das crianças podem movimentar o vínculo didático e uma possível educação para a realidade. Para construção de dados: observação participante em sala de aula; rodas de conversa para a escuta de crianças; entrevistas narrativas para compreendermos o lugar de fala da criança na organização pedagógica; e a escrita da Memória Educativa dos sujeitos-professores como dispositivo de pesquisa (Almeida, 2012). Questões basilares foram tecidas: como os desejos ditos/não ditos podem movimentar no vínculo didático? Qual o lugar de fala do sujeito-criança no percurso pedagógico? Como aponta a pesquisa, há necessidade de garantir as palavras que nomeiem os acontecimentos e os desejos das crianças no enlace social, tendo em vista a da “causa das crianças” (Dolto, 2005). Sabemos que o desejo é algo que não se pode apreender e compreender senão no mais estreito nó, não de algumas impressões deixadas pelo real, mas no ponto mais estreito onde se atam em conjunto, para o homem, real, imaginário e seu sentido simbólico (Lacan, 2002). Assim, buscamos, metaforicamente, tornear o barro do planejamento pedagógico, que pretende moldar a criança à personificação do sujeito ideal. Para tanto, na sequência metodológica proposta, em especial, as rodas de conversa, contribuíram com o caminho de escuta, capturando a « tomada de verdadeiro que conduziria uma espécie de sujeito ideal ao real e as alternativas por onde o sujeito induz o real nas suas proposições” (Ibid.). 

Sessão 14

Ideologias linguageiras e “vozes das crianças”: qual lugar para a (sócio)linguística na proteção da infância?
Arthur Ancelin (Université Paris Cité)

Desde os anos 1980, a sociologia da infância interroga os processos de (re)produção do social nas crianças sob o prisma da questão da linguagem. Se inscrevendo em um movimento mais amplo de reflexões relativas à importância das “vozes das crianças”, essa corrente propõe uma concepção de linguagem que se impõe em diferentes campos do domínio educativo e notadamente o da proteção da infância. No entanto, o próprio conceito de “voz das crianças” é muito pouco questionado. Para superar esse paradoxo, trata-se de considerar a “voz das crianças” em sua dimensão política, de um ponto de vista sociolinguístico, permitindo interrogar as concepções de infância que atravessam os usos desse conceito, o modo como as instituições – assim como a pesquisa – participam da legitimação e fixação das ideologias linguageiras, e enfim os efeitos que elas podem ter sobre as próprias práticas.
Assim, numa perspectiva metapragmática da linguagem e através de um estudo na Maison d’Enfants à Caractère Social (Centro de atendimento socioeducativo), abordaremos as tensões entre diferentes concepções de linguagem e de infância que circulam nesse contexto, colocando em evidência diferentes discursos a fim de melhor apreender os fundamentos dessas concepções, assim como seus efeitos sobre as práticas linguageiras bem como de categorização.

Intervenção psicossocial na formação profissional em trabalho social: a consideração da história de vida dos/as futuros/as acompanhantes de mulheres vítimas de abuso.
Louisa Baralonga (Université Paris Cité)

Essa pesquisa se apoia sobre um dispositivo pedagógico desenvolvido numa escola de trabalho social localizada na periferia de Paris a fim de permitir a identificação de construções representativas dos/as futuros/as educadores especializados/as sobre o tema do acompanhamento de mulheres vítimas de abuso e suas transformações. Ela se inscreve num trabalho de pesquisa-intervenção (Giust-Desprairies, 2004), trabalho realizado no âmbito de dois cursos intitulados “abordagens educativas” e “relações educativas e socialização”, equivalentes a sessenta horas de aulas presenciais, junto a um grupo de cerca de vinte alunos, e conduzidos ao longo de três anos de formação preparatória para o diploma oficial, de setembro de 2017 a junho de 2020.Tratando-se de um projeto co-construído com os/as alunos/as, foi possível abordar diferentes aspectos: como acolher um trabalho sobre as construções de dominações de gênero quando dois homens estão presentes no grupo? Quais efeitos a participação em uma jornada de estudo têm sobre as experiências das relações de gênero de um homem árabe? Em que as ressonâncias entre nossa história pessoal ou social e nosso posicionamento profissional podem ser fontes de profissionalismo para si e para os outros? A partir dos testemunhos de vítimas, em que medida é possível construir um saber profissional em apoio ao saber acadêmico? De que maneira lidar com a violência reatualizada na leitura dos relatos da vítima? As respostas a essas questões foram elaboradas a partir de notas feitas durante as sessões de preparação do encontro com Lise Poirier-Courbet, incluindo as questões que lhe foram endereçadas e os registros dos debates no dia de sua vinda.

O dizer e o consentimento da criança no campo da adoção tardia – um estudo de caso.
Barbara Manfroni Amaral de Souza (Université Paris 8 e Universidade Federal de Rio de Janeiro)

O campo jurídico tem sido chamado cada vez mais, em nossa sociedade, a responder às questões colocadas pelas mutações do laço social. No domínio da infância, em particular, muitas questões têm sido endereçadas ao poder judiciário solicitando que ele responda, afinal, qual seria o melhor interesse da criança em cada caso. Numa sociedade em que os adultos encontram dificuldade em sustentar seus lugares de alteridade, o melhor interesse da criança é, com frequência, confundido com a satisfação de sua demanda. Isso pode deixar as crianças desassistidas, sozinhas com sua palavra e com o que endereçam ao Outro. Se a fala da criança é tomada ao pé da letra, será que ela está sendo escutada? Nós trataremos aqui do caso de um menino que, com a idade de 8 anos, já havia sido devolvido ao abrigo 5 vezes, após tentativas frustradas de colocação em famílias adotivas. Vivendo no abrigo desde os 2 anos de idade, ele diz com frequência que gostaria de ser adotado. No entanto, quando se encontra no seio de uma família, ele é tomado de uma tal desorganização psíquica que efetua passagens ao ato em série, colocando a si e aos familiares em situações de grave perigo. Nós trataremos aqui da dificuldade de fazer o campo jurídico ouvir, nesses comportamentos, aquilo que o menino não tem ainda palavras para dizer. Para além de seu discurso ao pé de letra, essas passagens ao ato dizem de uma impossibilidade de se separar do abrigo e do convívio mínimo com sua família biológica. Nós sustentamos a hipótese de que os ideais coletivos do amor familiar e dos vínculos de afeto os colocam como os grandes garantidores de uma filiação adotiva, que poderiam vir reparar os danos vividos pela criança pelo seu abandono. Mas isso impede a escuta da criança e projeta sobre os futuros pais uma responsabilidade punitiva, provando uma interrupção precoce em muitos processos de adoção tardia. Com seu referencial teórico, a psicanálise pode lançar luz sobre as dificuldades implicadas nessa démarche subjetiva. Ela pode assim restabelecer a possibilidade de escuta dos sujeitos implicados ao permitir ultrapassar a lógica de culpabilização/vitimização, dando ao discurso da criança seu justo lugar. 

Sessão 15

A agressividade em laço no tratamento psicanalítico de crianças.
Daniel Barros Bermudes (Universidade Federal do Espírito Santo)
Victoria Giacomin Reali (UFES)
Ariana Lucero (UFES)

Lacan (1948) aborda a noção de agressividade ao colocá-la no cerne da formação do sujeito. É esse ponto de angústia que desarticula a criança que repele sua desordem para o mundo. Quando a agressividade se manifesta em ferimentos no próprio corpo ou é dirigida a outros por meio de retaliações físicas, ela passa a ser algo que diz de todos que convivem com ela. Vê-se, então, a constante demanda na direção de tratamento de “crianças agressivas” com o objetivo de corrigir comportamentos, sendo encaminhadas pela família e pela escola para Centros de Atenção Psicossocial Infanto-Juvenil, equipamentos públicos do Brasil em saúde mental. Sabe-se a importância da demanda em um tratamento, por mais que Lacan (1973) nos advirta de que não deve o analista respondê-la. Em especial, quando se trata de crianças, de modo que grande parte do trabalho consiste em deslocar o lugar da agressividade de ser aquilo que fisiologicamente incita um comportamento para se tornar uma interrogação sobre os efeitos que ela produz na coletividade. A questão que se instaura aqui vem quando Lacan (1948) indica que “é a participação em seu sofrimento que o doente espera de nós.”. Neste ponto, o manejo da transferência entra enquanto fundamento para a constituição do tratamento, sobretudo quando a agressividade se dirige ao analista. Portanto, questiona-se como a agressividade se endereça ao Outro e como tratar neste laço clínico.

Respostas possíveis da educação aos impasses da sexualidade infantil e do sintoma da criança: entre o normal e o patológico.
Marina Bezerra Werneck (Universidade Federal do Espírito Santo)
Ariana Lucero (UFES)

Freud (1926), em “Inibição, Sintoma e Angústia”, descreve a diferença entre inibições e sintomas, onde a inibição seria a restrição normal de uma função, e o sintoma seria uma forma de conciliação inconsciente entre uma satisfação pulsional interditada e as exigências do eu, por meio do recalque. Freud (1926) exemplifica também diversas formas de inibição, relacionadas ao ato de comer, à função sexual, às atividades profissionais, e podemos também incluir nessa série as inibições intelectuais, frequentes no ambiente educacional, no que toca às dificuldades de aprendizagem. A angústia de castração seria inevitável, sendo as inibições e sintomas formas que o sujeito emprega para defender-se desta. A infância se configura como o tempo primordial da constituição subjetiva, onde as possibilidades de posições subjetivas ainda estariam sendo estruturadas. Acontece que essa particularidade infantil não impede que a criança produza inibições e sintomas. Podemos pensar numa série de aparições sintomáticas na infância, por exemplo, sob a forma de uma agressividade intensificada ou de manifestações da sexualidade infantil que ocorrem de forma desvelada, por uma via sintomática. Nosso interesse, portanto, é menos na inibição do que na sexualidade que aparece como “patológica”, a despeito de já ser reconhecida a presença da sexualidade infantil “normal” em atividades que não se restringem a zona erógena genital. É a partir dessas dificuldades que os responsáveis endereçam a um analista a demanda de análise da criança, ou que a própria escola sinaliza uma necessidade de acompanhamento psicológico, pois quando a criança vivencia alguma irrupção sintomática, é inevitável que isso se coloque no ambiente escolar, às vezes, de maneira intensificada.

Se a palavra falha, o ato advém – o estatuto do ódio.
Luzia Carmem de Oliveira (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo)
Maria Solineide Oliveira Alencar (PUC-Pr)

Vivemos um período no qual a relação das famílias com a comunidade escolar tem sido paradoxal. Ao mesmo tempo que se espera que a escola seja educadora na continuidade do ambiente familiar, observa-se uma desautorização das famílias com relação ao discurso escolar. Situações de violência e manifestações de ódio entre crianças e adolescentes ultrapassam os limites da civilidade e do aceitável, chegando a formatos destrutivos, mostrando que há uma falha no uso da palavra levando a passagens ao ato. A partir da psicanálise entende-se que o ódio e a agressividade fazem parte da subjetividade humana, manifestando-se desde idades muito precoces. O par amor/ódio nasce da cisão de algo comum, cada um seguindo sua própria evolução até se tornarem pares de opostos, ocasionado pela influência do prazer-desprazer. Por sua vez, a agressividade perturba a relação entre os humanos e a cultura se estabelece como forma de organizar os laços proporcionando à humanidade realizações intelectuais e criativas, impondo deslocamentos e restrições dos objetivos pulsionais, ocasionando as duas características psicológicas mais importantes: o fortalecimento intelectual do homem e a internalização da tendência à agressividade. A educação como um meio de inserção na cultura através da transmissão, tanto das possíveis realizações como das restrições pulsionais, converte-se em um discurso social. O objetivo deste trabalho é analisar atos de violência praticados por adolescentes e crianças no ambiente escolar, partindo da compreensão do ódio e da agressividade na psicanálise de Freud e Lacan, pensando na circulação das palavras que permita suportar a diferença, respeitando a alteridade e autoridade. 

Sessão 16

Adolescência em vulnerabilidade social, sonhos e escuta. O apagamento dos jovens em situação de vulnerabilidade social: perspectivas da escuta psicanalítica em territórios expandidos.
Agundez Ayelen (Universidade de São Paulo)
Bruna Ferreira de Oliveira (USP)
Rose Gurski (UFRGS e USP)

O presente resumo emerge da experiência das pesquisadoras no âmbito da prática clínica do Serviço de Saúde Mental e Psicologia Clínica Social da USP e da pesquisa-intervenção Rodas de Sonhos, desenvolvida com jovens da socioeducação no âmbito do NUPPEC/UFRGS (Núcleo de Pesquisa em Psicanálise, Educação e Cultura). Mediante a prática de escuta junto ao APOIAR, inquietou-nos os relatos de tentativas de suicídio que colocam as vidas destes jovens em risco. Associamos tais acontecimentos com a dimensão sociopolítica do sofrimento psíquico desses sujeitos (Debieux, 2016). Queremos experimentar o dispositivo clínico de Rodas de Sonhos junto a estes jovens; consideramos que propicia a escuta da dimensão traumática em articulação ao desamparo discursivo que vivem. As Rodas podem apontar para a função restauradora do sonhar como uma estratégia ética e política e promover um espaço de circulação da palavra diante da perspectiva coletiva do sonho. A ideia principal é estimular a escuta psicanalítica em outros sítios a partir de ações de enfrentamento adequadas às necessidades singulares de sujeitos em situação de vulnerabilidade social (Gurski, 2019). 

A relação dos jovens à instituição: quais apoios para a travessia adolescente?
Marcella Bueno Brandão Siniscalchi (Université Paris 8)

Essa comunicação se baseia nos meus encontros com jovens, tanto através de entrevistas não dirigidas de pesquisa durante o fechamento das escolas no Brasil devido à pandemia, quanto no contexto do programa Universitas na Universidade de Paris 8 para os estudantes de primeiro ano que desejam reorientar suas escolhas de formação. O que buscamos compreender é a relação dos jovens com a instituição neste período de desconstrução e de construção de laços com o Outro que é a adolescência (Lesourd, 2005; Weber & Voynova, 2021). Formulamos a hipótese de que no encontro com outros adultos e sustentados por uma instituição outra que não a família, os adolescentes podem encontrar o apoio necessário para se reconstruir e elaborar as perdas ligadas ao fato de crescer e de ocupar um lugar singular no mundo. É importante para o adolescente encontrar, para além da família, novos laços, novas identificações que lhe permitam fazer o trabalho psíquico de luto do que ele precisa deixar para trás. A projeção e o desejo estão sempre ligados à possibilidade de abrir uma brecha no outro (Douville, 2000) e encontrar assim novas ficções que têm o papel de sustentar os seres humanos em suas existências.

Não sem a palavra. A passagem ao ato como saída para o impasse do laço social.
Sophie Darne (Proteção da infância)

A palavra ocupa um lugar diferente segundo os discursos correntes na instituição: uma palavra inscrita num discurso que faz laço social e, com isso, limita o gozo do imediatismo; uma palavra tomada por um discurso que desestabiliza adultos e crianças do que faz a base de cada um. Em um abrigo para adolescentes, uma passagem ao ato de um educador sobre um adolescente testemunhará os efeitos de anulação de uma palavra que permite a continuidade no tempo e o engajamento nos laços. Essa passagem ao ato será seguida de um acting out endereçado à direção como representante do discurso dominante, sem ser ouvido. Esse acting out será seguido de um outro por parte do adolescente procurando “testar”, interrogar através de manifestações diversas os lugares de cada um, a organização simbólica do lugar e o laço singular a seu educador que ele põe à prova na sua resistência a esses ataques. Uma certa relação ao gozo e à questão do desejo modifica a amarração simbólica do adolescente, do educador, da instituição. Os pontos de apoio para ouvir a palavra se constroem nas possíveis lacunas em certos discursos predominantes e no apoio a outros. Na impossibilidade de colocar em jogo esses desvios que permitem a palavra, o acting out permanece à espera de simbolização. Sem palavras, a passagem ao ato se torna uma saída, um passo sem palavra, o que nos obriga a considerar que sem a palavra não se pode construir o laço social.

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