12° Congresso Ruepsy
Palavra de criança : diálogos e mal-entendidos entre psicanálise et educação
Caderno de Resumos: Mesas Redondas
1. O infantil e o dizer
Cristiana Carneiro (Universidade Federal de Rio de Janeiro)
O presente trabalho reflete sobre a pressa diagnóstica e seus percalços para a infância. Entre a processualidade psicanalítica e a praticidade dos atuais manuais diagnósticos, como pensar essas diferentes temporalidades e seus possíveis impactos? Como aprofundar a reflexão do dispositivo escolar como coadjuvante diagnóstico e quais lugares para adultos e crianças nesses dispositivos? Para a psicanálise, o diagnóstico é construído a partir da relação transferencial, diferente da via do sintoma observável (Zanetti & Kupfer, 2008). O diagnóstico nessa compreensão, por ser realizado a partir da transferência, se faz de forma processual. Discorrendo sobre o lugar do analista, Freud (1938) deixa claro que nossas hipóteses conceituais são guias de intervenção, mas “só o curso ulterior da análise nos capacita a decidir se nossas construções são corretas ou inúteis”. Nessa ótica, não haveria uma teorização ou classificação suficientes e apriorísticas para além do discurso e do campo afetivo estabelecido com o paciente. Justamente, a insuficiência é uma ferramenta preciosa, questionando profundamente a autoridade do analista sobre a verdade do sujeito. De forma diferente, o diagnóstico psiquiátrico na atualidade, no que tange à identificação de sinais e sintomas, privilegia a psicopatologia descritiva, de base fenomenológica e se articula a um ideário de eficácia e pressa. Ao excluir as relações entre os sintomas e o funcionamento psíquico dos sujeitos, que incluiria a narrativa de seu sofrimento, o enfoque é voltado para o relato apenas do sintoma (Dunker,2014). A rapidez desse modelo prêt-a-porter oferecida pela sugerida praticidade dos manuais diagnósticos atuais nos indica que a pressa muitas vezes não anda a favor do sujeito.
Cristina Ronchese (Universidad Nacional de Rosario)
A partir de uma perspectiva psicanalítica em diálogo com outras teorias, será abordada a ideia de “dar lugar à palavra da criança”, reivindicada pela legislação sobre os direitos da criança. A partir de vinhetas recolhidas em contextos escolar e clínico, colocaremos algumas questões e alguns modos de análise e reflexão sobre as implicações, particularidades e certos obstáculos que podem estar em jogo no ato de « dar lugar à palavra” de uma criança, ou seja, na passagem do ouvir ao escutar um dizer. Nesta abordagem, serão analisados os vários olhares que os adultos têm sobre as crianças e as posições que daí decantam. Além disso, serão localizadas a esse respeito algumas considerações relacionadas ao seu enraizamento nas coordenadas socioculturais contemporâneas.
Simone Moschen (Universidade Federal de Rio Grande do Sul)
A educação pode ser pensada como processo que promove laço social, capaz de sustentar um ethos comum. Esse comum, porém, na medida em que deriva – assim como produz – do tecido simbólico, não retira sua consistência da fixação de sentidos unívocos, mas, ao contrário, ganha sua força no exercício da abertura polissêmica que a linguagem carrega em si. É essa abertura, própria à linguagem, que permite tensionar os limites do dizível e produzir fissuras no até então enunciado. Contudo, não é difícil constatar que atravessamos, no Brasil, um momento em que a palavra dita localiza rápido demais quem a profere, enclausurando quem a diz numa posição em que fica imediatamente fixado a um conjunto fechado de ideias. Esse movimento de captura da palavra, e sua localização imediata em um dos lados de um problema, faz com que o espaço da pergunta se veja achatado por uma lógica binária que força uma escolha entre o “sim” e o “não”, varrendo da cena os matizes do vivo. Essa operação, que é antes de mais nada uma operação de linguagem, acaba por produzir um engessamento do exercício do pensamento que requer, justamente, as condições do ensaio, do trânsito, da mudança de perspectiva. Neste trabalho, desejamos pensar a linguagem, em sua face poética, como um estilete capaz de inserir uma fresta nesta lógica que tende ao fechamento – e à obliteração do pensamento. Manoel de Barros, poeta brasileiro, define a poesia como “infância da língua”, proposição que nos permite ensaiar uma articulação entre infância, polissemia e criação, com o intuito de pensar a insurgência do poético como uma forma de fazer frente aos ataques diuturnos à abertura inventiva da linguagem.
2. O dizer atrás do que (não) se diz no que (não) se ouve
Ariana Lucero (Universidade Federal do Espírito Santo)
No contexto dos questionamentos levantados pelo congresso em torno da fala da criança, o trabalho pretende refletir sobre o modo como as instituições têm lidado com as manifestações em que a fala parece não estar presente. Tanto o mutismo quanto as atitudes agressivas e desafiadoras colocam questões para os campos da educação e da clínica, inclusive aquela praticada nas instituições de saúde mental. Como abrir espaço para que algo de um dizer possa emergir? Escutar a criança, de um ponto de vista psicanalítico, envolve uma dimensão que não se restringe àquilo que se ouve. Além da importância que o brincar sempre teve na clínica psicanalítica com crianças, o olhar, os gestos, a postura corporal, incluindo os movimentos de recusa, permitem uma escuta que deixa emergir o conflito inconsciente. No campo educacional, há um grande desafio em sustentar a palavra educativa diante do mutismo ou das manifestações disruptivas. Na saúde mental, as demandas por reinserção social muitas vezes impõem a insistência sobre regras de “boa educação”, de forma que as intervenções podem calar ainda mais as manifestações das crianças ao imporem certo padrão de comportamento. Escutando o que é dito na ausência da fala, a psicanálise revela que os sintomas dessas crianças diagnosticadas com transtornos neurodesenvolvimentais apontam para subjetividades que respondem ao nosso tempo, mas que só têm encontrado lugar social na patologização da vida. Esta cervidão – neologismo criado por Lacan (1972), superpondo cérebro e servidão – tem restringido as possibilidades de atuação dos profissionais dedicados à infância, o que nem sempre é dito.
Julia Borges Anacleto (Projeto Capes/Cofecub)
O termo Educação Inclusiva ganha terreno no imaginário pedagógico, principalmente desde sua consagração na Declaração de Salamanca. O discurso hegemônico em torno do tema apoia-se no avanço voraz dos saberes expertos no domínio da infância, acompanhado de uma infinidade de bens e serviços psicopedagógicos ao lado daqueles do campo médico-terapêutico. Não deixa, além disso, de reiterar a velha ilusão (psico)pedagógica (de Lajonquière, 1999) e sua naturalização essencialista das idiossincrasias próprias do sujeito. Assim, o grande mote da Educação Inclusiva passa a ser o de atender necessidades educativas mais ou menos especiais. O mote do atendimento às necessidades educativas especiais reduz o ser falante a uma substância psicológica dada que precisaria ser satisfeita em suas necessidades intrínsecas para se desenvolver conforme um modo de ser estabelecido de antemão. Precisamente, é sua condição de sujeito de palavra que é posta em questão. A manifestação da criança, nesse contexto, reduzida a um “comportamento” mais ou menos perturbado, serve à reiteração de certezas classificatórias estabelecidas de antemão, dificultando sua travessia na conquista de um lugar de palavra singular no laço social. Diante disso, nos propomos a operar uma torção na noção de Educação Inclusiva referenciados por uma ética do sujeito. Como colocar em operação um trabalho escolar inclusivo que leve em conta as respostas singulares das crianças às demandas escolares subvertendo, ao mesmo tempo, a chave de leitura naturalista hegemônica que reduz a fala da criança à expressão de necessidades educativas mais ou menos especiais?
Kelly Cristina Brandão da Silva (Universidade Estadual de Campinas)
A partir da experiência em uma clínica-escola de Fonoaudiologia, a qual atende crianças de 0 a 4 anos com atraso de linguagem, percebe-se um aumento considerável, com a pandemia de Covid-19, no Brasil, de crianças que apresentam sinais de fechamento autístico. Pouco demandam do outro, não falam e apresentam embaraços na instituição escolar. Essas crianças já chegam capturadas apressadamente pelo diagnóstico hegemônico do TEA – Transtorno do Espectro Autista, produzido pelo discurso da ciência. A direção ética de um trabalho com as famílias, tão submetidas a diagnósticos totalitários, é a abertura para aquilo que escapa à classificação. Trata-se de a criança poder ser reconhecida não como autista – filha do discurso da ciência – mas sim com traços, gostos e corpos familiares, com nome e sobrenome próprios, não anônimos. É importante ressaltar, a partir da psicanálise, o caráter não decidido das psicopatologias da infância. Sustentar um diagnóstico fechado não só contraria o estado de inacabamento próprio da infância, como ainda pode imprimir à direção do tratamento condições contrárias àquelas necessárias para o surgimento do sujeito. Apesar das ressalvas em relação aos diagnósticos apressados e deterministas, algumas questões devem ser aprofundadas: os efeitos do distanciamento social, na pandemia, explicariam o aumento de crianças com sinais de fechamento autístico? Haveria mudanças no laço social contemporâneo, as quais impactam de diferentes formas as dinâmicas familiares e escolares, que colocariam mais entraves no processo de constituição psíquica? Como o arcabouço teórico psicanalítico pode auxiliar nessa discussão, dando voz e legitimidade às queixas familiares e escolares, contudo sem corroborar com o discurso organicista do TEA?
3. O desejo para além da demanda ideologicamente orientada
Cristiane de Freitas Cunha Grillo (Universidade Federal de Minas Gerais)
Há dezesseis anos, o Janela da Escuta é um laboratório interdisciplinar, orientado pela ética da psicanálise, o que se traduz na premissa o adolescente especialista de si. Desde 2016, temos recebido no Janela da Escuta adolescentes que se nomeiam trans. O trabalho orientado pela psicanálise lacaniana coloca em relevo a singularidade radical, sem desconsiderar um coletivo de singulares. O Janela da Escuta, ao tomar o adolescente como especialista de si, como pesquisador, se torna um laboratório de soluções. Uma demanda chega ao Janela da Escuta proveniente da unidade feminina do socioeducativo, que acolhe adolescentes trans, referente aos cortes nos corpos. Não retrocedemos frente a essas demandas, abrindo um espaço de conversação no qual uma palavra inédita pode surgir, ser acolhida e escavar um lugar para a subjetividade no universal das políticas públicas. Uma dessas adolescentes fala do seu incômodo por ser nomeada como ‘homem trans’. Ela afirma que é uma mulher lésbica que escolheu ser renomeada como João. Pensamos em um trabalho com uma liberdade não toda, uma liberdade da palavra que não se torne um imperativo de tudo dizer e de ter a fala cristalizada em torno de si, como uma nomeação rígida e imutável. Uma adolescente chega ao Janela nomeada como mulher trans por uma instituição. Em um ambulatório específico para pessoas trans, ela utiliza um nome feminino. Na escola, onde a chamam pelo nome masculino, ela consente com este. No Janela, ela fala com a analista que ainda não sabe qual nome eleger. Poder falar, se equivocar, tropeçar, é condição indispensável para a prática analítica. Sem identificações rígidas e ideais asfixiantes, a psicanálise pode reverberar no campo político, educacional e social.
Laëtitia Petit (Aix Marseille Université)
A direção da cura, em particular a de um adolescente, impõe a necessária suspensão da dita demanda do adolescente ou de seus pais, ou mesmo da instituição escolar, para dar lugar ao trabalho psíquico. Essa suspensão só é possível no espaço e na temporalidade do consultório do psicanalista. Se tomarmos o exemplo das mudanças durante o tratamento de certos adolescentes em busca de identidade, podemos mostrar como essas mudanças só são sustentadas por essa posição freudiana, ética e teórica, que privilegia processos complexos de identificação, para além de uma identidade ideologicamente determinada. Assim, a psicanálise parece ser o único dispositivo ainda possível para fazer prevalecer o desejo do sujeito sobre uma demanda ideologicamente determinada. Nesta exposição questionaremos o que é um pai, pois esta noção não é um conceito psicanalítico, exceto na forma do pai combinado em Melanie Klein. De onde vêm os pais? Construção cultural e vetor de ideologias, será preciso pensar essa noção de acordo com o que a define para uma criança ou para um adolescente, como também para a instituição escolar, por exemplo. Sendo a educação um compartilhamento implícito entre as funções parental e pedagógica, devemos, no entanto, diferenciar umas das outras, identificando os limites de cada uma dessas funções. O desespero dos professores do ensino secundário perante, por exemplo, os imperativos dos adolescentes que mudam de nome, presos entre discursos por vezes contraditórios entre os pais e a instituição escolar. Essa « perturbação » nas referências simbólicas pode ser entendida como um sintoma a ser posto a trabalhar na análise.
Ilaria Pirone (Université Paris 8)
Pretendo compartilhar questões que emergem nos acompanhamentos de famílias e crianças exiladas na França, em um centro médico-psico-pedagógico parisino. Esses acompanhamentos trazem consigo para dentro de nossas instituições o contexto político e social atual, nos levando a revisitar certas noções metapsicológicas e nos engajarmos diferentemente na transferência. As histórias desses pacientes, por vezes, nos confrontam com o abismo da irrepresentável crueldade do ser humano, obrigando-nos a reorganizar o enquadre: os acolhê-los todos juntos, amparados pelo vínculo transferencial institucional para permitir uma escuta re-humanizadora. Mas para além destas reelaborações “técnicas” dos dispositivos clínicos, estes encontros também nos permitem revisitar as nossas referências e o nosso suporte teórico. É assim que em um centro de atendimento orientado principalmente por referências a Lacan e seu retorno a Freud, tivemos que recolocar em ação a noção de trauma e traumatismo sem cair em uma leitura “todo-traumática”, reduzindo esses pacientes a novas vítimas. Nesses encontros, e precisamente para que haja encontro, a voz do analista sustentada por “um desejo mais forte do que os desejos envolvidos” (P. Guyomard, 2011) não é simplesmente um corte e uma escansão, mas também o que faz borda e narração.
4. A palavra e a crise na educação
Jean-Marie Weber (Université de Luxembourg)
Se um jovem ou um professor desenvolve sintomas, algo de sua relação com a palavra está em questão. Trancado imaginariamente, muitas vezes o sujeito se recusa a falar. Trata-se de recusar a verdade da palavra. O sujeito não quer se abrir para o real invisível, ou seja, para a vida. Não é de estranhar, então, que o encontro com o Outro e seu desejo o assustem. Diante do desejo do outro, a questão do « che vuoi » o angustia. Dizer de nós mesmos, falar verdadeiramente nos faz correr o risco de perder a imagem, de nos fazermos sujeitos divididos. Só do desejo do encontro, sustentado pela promessa [da fala], nasce a possibilidade de arriscar o vazio, de dar um salto, de se separar da própria imagem (Vasse). Freud estava ciente desse problema. A escola não deve “pretender ser mais do que um lugar onde jogamos o jogo da vida”. Ela deve propor um “jogo” para que o jovem possa vivenciar e distanciar-se daquilo sobre o qual construiu sua identidade. A partir de duas vinhetas clínicas ilustraremos o que está em questão na recusa à fala e na violência da palavra.
Douglas Emiliano Batista (Universidade de São Paulo)
Se o dispositivo escolar moderno sustentou por quatro séculos uma dialetização sem síntese entre tradição e razão (Blais, Ottavi e Gauchet, 2014) – e o que lhe permitiu proteger o(s) velho(s) contra o(s) novo(s) e vice-versa (Arendt, 2005) -, já o discurso pedagógico centrado no aluno deu azo, desde o início do século XX, a certa polarização entre o(s) velho(s) e o(s) novo(s), uma vez que, ao exaltar a palavra dos alunos, tal discurso desautorizou a dos professores. Com isso, a transmissão de tradições epistêmicas, éticas e estéticas pelos docentes perdeu sua hegemonia na escola – particularmente em um país como o Brasil – a favor do suposto desenvolvimento das ditas faculdades psicológicas individuais dos discentes. E, assim, a palavra das crianças foi tomada como a palavra final, uma vez que ela decorreria do desenvolvimento da dita natureza individual infantil. Tal desenvolvimento, por sua vez, teria lugar a partir do protagonismo do aprendiz, uma vez que a transmissão cultural por parte do Outro docente e, portanto, a alteridade simbólica do professor, passaram a ser hegemonicamente concebidas como opressivas ao contrário de emancipatórias. Ademais, as revoluções tecnológicas endossaram, a partir dos anos 60, tal curto-circuito da transmissão ao pressupor que a iniciativa privada e auto-referida do aluno de opinar ferozmente a respeito de tudo seria a expressão mais icônica do dito protagonismo discente. Em face disso, cabe indagar se tal ensimesmamento opiniático dos alunos contribuiu, especialmente no Brasil, para a “formação” de adultos auto-referidos, narcísicos (isto é, refratários ao Outro) e anticulturalistas, e os quais, tomando-se por críticos contestadores, operam como propagadores de desinformação, de pós-verdades e de negacionismos, propagação a qual coloca em xeque a interlocução e a alteridade inerentes à vida em comum na esfera pública.
Leandro de Lajonquière (Université Paris 8)
Atualmente sentimos “certa incerteza” em matéria educativa. Temos dúvidas sobre “o que fazer” com as crianças e como “saber-fazer” [savoir-faire] com elas no dia a dia. Esta situação não é nada confortável e por isso todos aqueles que hoje têm de « fazer” alguma coisa com as crianças procuram uma saída. Eles não hesitam em confiar em saberes supostamente “expertos”. Assim, fecha-se um círculo vicioso: pessoas comuns, sentindo-se inseguras, recorrem aos especialistas ou expertos sem perceber que a suposta expertise do saber suposto aos ditos especialistas é apenas o outro lado da incerteza do « como fazer » com as crianças. Essa incerteza na educação das crianças sempre foi assim na história? Essa pergunta, como tudo que toca o passado dos homens, nunca pode ser respondida com certeza! No entanto, tenho uma ideia. Mas o meu desenvolvimento nesta mesa redonda não deve ser tomado no sentido de que antes vivíamos melhor do que hoje, ou que antes havia mais não sei o quê, que hoje estaria em claro declínio. Temos que trabalhar com a ideia de incomensurabilidade histórica. Portanto, é preciso elucidar o lugar da palavra em nossa modernidade para recolocar a educação no registro de um “saber-viver” [savoir–vivre] junto às crianças, suscetível de dar testemunho da castração.
5. Escutar o sujeito. Quais dispositivos na educação e na formação?
Margareth Diniz (Universidade Federal de Ouro Preto)
A formação docente inicial e continuada para atuar na perspectiva do acolhimento à diferença é um processo de permanente construção de sentidos objetivos e subjetivos. Lidar com o saber-não-saber é uma perspectiva colocada pela Psicanálise na formação docente, entendendo que precisamos avançar de uma posição em que a formação está pronta e concluída para uma perspectiva em que nos formamos continuamente e no contato com a situação inédita e inesperada que se apresenta. Os saberes docentes são elaborados e constantemente atualizados a partir das relações com a diferença, das vivências do exercício profissional, das descobertas das diversidades de aprender e de ensinar e da troca de experiências com os pares. A compreensão de como os docentes pensam, sentem e agem quando têm em suas salas de aula, a categoria “aluno diferente”, exige uma constante disposição do formador e pesquisador, para captar a singularidade presente e elucidar a relação saber-não-saber dos mesmos. A racionalidade científica não modifica por si só o imaginário e as representações coletivas negativas que se construíram sobre os ditos « diferentes » em nossa sociedade e não alteram as representações dos professores. É necessário forjar a construção de uma posição e um lugar, de maneira a conferir ao docente um estilo. Como forjar este lugar, este estilo docente durante a formação e após esta, que o possibilite o acolhimento à diferença? No Grupo de Pesquisa Caleidoscópio, discutimos sobre possíveis dispositivos na formação docente que incidam no acolhimento à diversidade e à diferença. Na pesquisa-intervenção em escolas onde se encontram as egressas da formação inicial, desenvolvemos um trabalho de escuta das mulheres-professoras, pautando-nos nos referenciais da Psicanálise, em torno do método clínico.
Ana Carolina Ferreyra (FLACSO-Buenos Aires)
Apresentarei algumas reflexões oriundas de minha experiência como formadora de professores articulada a partir da psicanálise. Nossas práticas estão intimamente ligadas à concepção de sujeito que sustentamos, estejamos ou não conscientes disso. A psicanálise produz uma ruptura epistemológica que não deixa de ter consequências. Pretendo falar justamente sobre isso. O imediatismo da cultura atual dificulta encontrar um espaço vazio que permita a intervenção do Outro, problema que nos fica claro quando ouvimos queixas de professores sobre suas dificuldades em atender seus alunos e manter uma postura docente. É comum ouvi-los dizer que não estavam “preparados para isso”, estabelecendo-se assim uma rejeição ao vínculo educacional tanto por parte deles quanto dos jovens. Tendo em conta a assimetria que caracteriza o vínculo educativo, e que a responsabilidade (mesmo quando exige o consentimento do sujeito) é do professor, consideramos este “isso” como sendo a presença de um real. Questionamos a possibilidade de “preparar alguém para isso” no contexto da formação de professores em que intervimos. A linguagem, enquanto artefato que nos permite fazer algo com “aquilo” que nos afeta, permite-nos investir numa nova representação e consequentemente na construção de um “saber-fazer”. Isso implicará em aceitar a satisfação paradoxal envolvida na experiência de que sempre há algo que não funciona.
Yves-Félix Montagne (Université de Besançon)
Durante uma visita à aula de uma professora, ouvi um aluno dizer-lhe, quando propôs uma « hora de vida de sala » (um tempo de discussão entre os alunos e o professor principal), « Professora, estamos fartos dessas horas de morte de sala ». Nesta frase que comporta um trocadilho, ouvi algo do dualismo entre a vida e a morte. Esta observação deu origem a um questionamento: por que é que um encontro em fala organizado para desfazer embaraços parece « quebrar relações e destruir coisas » (Freud, 1938), provocando um sentimento mortificante? Agendei dois encontros com os alunos (inspirados pelo GPAP, Montagne 2017) para compreender melhor e pensar numa forma alternativa de fala em companhia no colégio. Os resultados interpretativos das declarações dos alunos são resumidos por esta frase equívoca de um deles: « o professor não ouve o que nós dizemos na verdade ». Recordando o valor lacaniano da verdade (Lacan, 1966), podemos tomar este « na verdade » como algo mais do que um tique linguístico da moda. Primeiro, podemos compreender que os alunos deplorem o fato de o seu interlocutor não os ouvir exprimir algo da própria verdade deles, tomada como a causa subjacente e desejada (cf. o esquema dos quatro discursos lacanianos) do discurso deles. Segundo, é compreensível que estes alunos queiram ser ouvidos de uma forma verdadeira, menos magistral ou acadêmica e mais analítica. O professor é colocado no lugar de um sujeito suposto ouvir (ecoando o sujeito suposto saber de Lacan). Estas duas pistas sugerem uma maneira menos mortificante de falar com esses adolescentes e de dar um valor outro à verdade e ao saber.
6. Qual futuro que o futuro tem? Escutar as adolescências hoje
Luciana Gageiro Coutinho (Universidade Federal Fluminense)
Em face ao desmonte das políticas públicas no Brasil dos últimos anos, podemos constatar que as atuais configurações do campo cultural e sociopolítico brasileiro têm apagado a dimensão de alteridade no que concerne à presença do Outro e à palavra, ao que faz laço, o que se faz presente também no âmbito educativo. Partindo do que se apresenta como mal-estar na adolescência e na juventude brasileiras, que tem como uma de suas manifestações os recorrentes episódios de suicídios e autolesões nesse segmento, apresentaremos pesquisas que temos desenvolvido no LAPSE (Grupo de Pesquisa Psicanálise, Educação e Laço Social), para discutir a dimensão sociopolítica desse sofrimento (Rosa, 2016), apontando para a importância de que ele seja também tratado no âmbito coletivo e institucional. Articulado à pesquisa, utilizamos o dispositivo de rodas de conversas com professores e estudantes de ensino médio e universitários, concebido como espaços de fala, escuta e partilha de experiências, entremeados pela associação livre coletivizada. Inspiradas em autores que têm trabalhado a construção de dispositivos coletivos para o tratamento do sofrimento sociopolítico (Broide & Broide, 2016), apostamos na potência da palavra e das trocas alteritárias, favorecidas pela presença do psicanalista nas instituições, para o tratamento da dor e do gozo silenciados e vivenciados solitariamente pelos jovens estudantes, favorecendo seu endereçamento ao campo da política.
Perla Zelmanovich (FLACSO-Buenos Aires)
Escutar os adolescentes hoje exige uma leitura que leve em conta o “futuro anterior”. Assim procedemos em um dispositivo de pós-graduação, no Programa de Psicanálise e Práticas Socioeducativas da FLACSO – Argentina, e numa série de cursos de graduação em algumas universidades públicas da Argentina. O dispositivo se baseia em três pilares: tempo subjetivo, escrita de cenas da própria biografia escolar e leitura a partir da psicanálise transdisciplinar. Mostra a fertilidade de uma lógica nodal com a teoria dos quatro discursos, a transferência e o tempo lógico subjetivo (Zelmanovich, 2013-2023) em seu diálogo com a pedagogia social (Núñez, 2004; Moyano, 2014). A atualização dos paradoxos da inclusão no ensino médio permite situar a escuta das adolescências em diferentes modalidades transferenciais de acordo com o tipo de dificuldades no laço. Cada um atua na dinâmica de abertura e fechamento do vínculo educativo para tratar de forma sublimatória o sofrimento desse sintoma da puberdade chamado adolescência. Uma lógica não-segregadora favorável à escuta dos adolescentes, avança ao mesmo tempo que o luto dos professores pelo abandono de posturas fixas e ineficazes na função. Um desafio para as políticas públicas que se fortaleceu a partir da experiência da pandemia é o de ativar uma “escuta transpandêmica” com base no futuro anterior, como mostra nossa pesquisa sobre “Los malestares en las prácticas profesionales en tiempos de pandemia. Aportes de la Clínica Socio-educativa para su abordaje” e refletidas no livro Vinculo educativo y transpandemia coordenado por Molina & Zelmanovich, et al. (2023).
Rose Gurski (Universidade Federal de Rio Grande do Sul; Pós-graduação Psicologia Clínica – USP)
Entre os anos de 2014 a 2019, o número de suicídios de jovens entre 15 e 29 anos dobrou no Brasil (IBGE, 2019). Quando, no lugar do desejo de viver da juventude de uma época, encontramos a opção pelo “deixar morrer”, estamos frente a um adoecimento que não é só do sujeito. Nesse sentido, perguntamos: o que a ausência da vontade de viver revela sobre as condições do laço social atual? Como as configurações sociais, marcadas por políticas de morte, produzem efeitos na subjetivação juvenil? Temos problematizado algumas dessas questões, através de pesquisas que envolvem a temática da oniropolítica. Nelas, além de Freud, Walter Benjamin nos ajuda a compreender que o sonho tem também uma dimensão de análise social a ser explorada – os restos do dia presentes nos sonhos estão ligados ao coletivo no qual o sonhador está inserido. Foi assim que, a partir de 2019, frente à polarização crescente no país, começamos a construir a noção de oniropolítica como uma estratégia ético-política que busca resgatar a complexidade do pensamento. A oniropolítica não se coloca como uma perspectiva terapêutica do sonho, tampouco busca construir noções específicas de uma biografia ou da psicopatologia do sujeito. Ao articularmos psicanálise, sonhos e política ao campo da educação, pela via do dispositivo das Rodas de Sonhos, queremos sublinhar a importância em garantir um lugar para as produções do sujeito, para sua imaginação. Trata-se de criar condições também para que a imaginação provoque efeitos políticos (Didi-Huberman, 2011), possibilitando que os jovens se encontrem com um futuro pautado com a possibilidade de sonhar com um amanhã!
7. Dizer e escutar nas instituições educacionais
Segundo Moyano (Universidad Abierta de Catalunya)
Na educação, assim como na psicanálise, a palavra ocupa lugar de destaque em suas práticas, em seus discursos e em suas vivências. As palavras, e tudo o que as configura (a entonação, o tempo, o espaço, a pausa ou a sua ausência), articulam em parte os processos de transmissão educativa. Nesse sentido, a circulação da palavra nas instituições educacionais contemporâneas se apresenta de diversas formas e com diversas formulações: demandas, atribuições, trocas, ensinamentos, desencontros; mas, a palavra que define as características particulares dos sujeitos da educação também ocupa um lugar de destaque. Às vezes, essas palavras tentam explicar o « tudo » do sujeito, à maneira da ideia de Ph. Meirieu de se produzir um sujeito transparente. Principalmente naquelas instituições que, embora não estejam fundamentadas em um mandato pedagógico, encenam ações educativas. Referimo-nos a instituições encarregadas da proteção, cuidado e também educação daquelas crianças e adolescentes que percorrem outros caminhos fora do circuito habitual (centros de proteção, justiça juvenil, atendimento especializado, escolas de segunda chance, etc.). Nestes cruzamentos de tempos e lugares, a marca fundadora tem a ver com a palavra que os acompanha, com adjetivos substantivos que predefinem percursos de antemão. Como desativar os efeitos de « destino social » que as palavras produzem nessas meninas, meninos e adolescentes? Como habilitar um dizer além dos atributos? A partir dessas questões, é possível estabelecer, de forma aproximada, os limites, paradoxos e contradições que tomam conta das práticas educativas contemporâneas.
Ana Bloj (Universidad Nacional de Rosario)
Propomos abordar as contribuições realizadas a partir da psicanálise diante dos equívocos entre as interpretações das escolas e aquilo que meninos e meninas diziam por meio de seus sintomas em um mundo pós confinamento na cidade de Rosário, Argentina. Observamos, na volta às escolas em 2022, uma escola desnorteada face a meninos e meninas chegando com dificuldades de socialização, dificuldade de ficar parados nos bancos e episódios de maior violência. Nada disso é novidade, mas a potencial escalada desses sintomas, ou transtornos – conforme o caso – levam as escolas a ficarem ainda mais tensas diante das inúmeras manifestações desta sentença: « esta escola não aguenta mais ». Muitas vezes, o analista se faz porta-voz das palavras de meninos e meninas para que sejam escutadas, ou colabora com a produção de sentidos onde predomina um distúrbio. Essa intervenção requer um trabalho de conversão de um discurso que pode ser escutado a partir do lugar que Lacan chama de “agente”. Ao mesmo tempo, uma análise dos efeitos do isolamento na subjetividade pode ser compartilhada com os trabalhadores da educação – que aguardam a chegada de uma criança « pré-pandêmica » – com vistas a que o docente possa se posicionar de forma diferente construindo dispositivos educacionais artesanais passíveis de acolher às configurações atuais.
Carla Jatoba Ferreira (Universidade Federal de Ouro Preto)
Como as palavras proferidas por uma garota, na condição de portadora da síndrome de Down, são consideradas pelos adultos responsáveis pelo seu processo educativo? Palavras ignoradas? Palavras não escutadas e que não ressoam como uma produção de linguagem? A comunicação discute uma cena presenciada por mim, como pesquisadora, em uma escola pública do estado de Minas Gerais, no Brasil. Percebemos durante alguns meses de trabalho acontecimentos nas salas de aula ilustrativos da desconsideração das palavras da criança em situação de deficiência. Como destaque deste trabalho, ressaltamos momentos nos quais a professora não escutava as tentativas da criança para responder suas questões – sem nenhuma suposição de que a sua aluna estaria comentando o conteúdo em discussão. Não seria impossível acolher algumas das palavras, mesmo que ditas de maneira não tão evidente; entretanto ao não as considerar, a professora ignora a atitude da criança e consequentemente, impede sua participação no discurso social. Sabemos que o laço social não acontece naturalmente. Um laço vai se compondo através de significações inscritas no campo do Outro. Presa aos ideais normativos, a professora agia como incapaz de evocar sentidos na fala da aluna e desta forma impossibilitando prováveis aberturas para o processo de aprendizagem.
8. Interpretações contemporâneas do dizer de/na adolescência. Leituras de Lacan com Jean-Jacques Rassial
Dominique Méloni (Université Jules Verne)
Que lugar ocupa a fala na constituição das escolhas de orientação profissional? Quando Lacan estuda Gide ou Joyce, não se interessa diretamente pelo processo adolescente, mas aborda momentos de mudança na vida subjetiva inerentes à escolha de se dedicar à escrita. Em primeiro lugar (1966), mostra como Gide conseguiu tornar-se desejoso apesar da atitude de sua mãe que o privou disso. Depois de ter revisado profundamente sua obra, ele explica como Joyce (1975-1976), brincando com a escrita, escolhe também um lugar de onde pode ser reconhecido, o de ser escritor. A escolha da orientação implica potencialmente a escolha de uma nominação. Considerarei a afirmação dessa escolha como um dizer constituinte, destinado a ser escutado, retomando a ideia de que há ser onde há fala, enunciada por Lacan ao introduzir a noção de falasser. Assim, convidar os adolescentes a falar e se reconhecer nos seus enunciados (Rassial, 2011) reveste uma grande importância no momento presente, onde o Outro parece profundamente apagado, a ambiguidade discursiva é dificilmente aceita e o adolescente encontra-se isolado.
Pedro Teixeira Castilho (Universidade Federal de Minas Gerais)
Lacan apresenta sua concepção de discurso no final dos anos 1960 a partir dos seminários De um Outro a outro (1968-1969) e O avesso da psicanálise (1969-1970). Nessa época, Lacan foi influenciado pela revolução de maio de 1968, momento que passou a propor a influência do capitalismo a partir da categoria do discurso. Levando em conta o momento do ensino de Lacan, pretendemos apresentar as consequências do discurso capitalista sobre a subjetividade dos sujeitos adolescentes contemporâneos que manifestam em seus corpos (tatuagem, piercing, escarificação, corte…) um tipo específico de vínculo social produzido pelo discurso capitalista. Os significados que os adolescentes, em geral, atribuem à dimensão do ter em detrimento das questões do ser, são um dos sintomas produzidos pelo discurso capitalista cuja resposta é a objetivação do outro, isso quer dizer que há um gozo que não se dirige ao Outro, ou seja, que não faz laço social. Esta deformação, de acordo com J-J. Rassial, caracteriza-se por estados limites que residem justamente na objetificação e precariedade do laço social, o que revela a autonomia das relações estruturais para muitos adolescentes na contemporaneidade na forma de um apagamento do Outro. As manifestações dos estados limites podem ser observadas nos comportamentos depressivos do adolescente, atuação exagerada, uso excessivo de drogas, comportamento errante e fala fanática. Nesses casos o psicanalista deve escutar cada adolescente na sua singularidade do dito buscando construir uma nomeação com o adolescente que passa pela invenção e que produza um laço social.
Marcelo Ricardo Pereira (Universidade Federal de Minas Gerais)
“A alma é sempre permeável a um elemento de discurso”, dirá Lacan em seu estudo sobre Gide. Então, que discurso se pode depreender de uma espécie de homo informaticus, própriode nosso tempo, espelhado, sobretudo, nas subjetividades de adolescentes e jovens adultos que parecem conformados a ele? Desde meados do século XX, uma fratura na modernidade vem se consumando. Os movimentos contraculturais, identitários, ecologistas, antibelicistas e antiditatoriais, somados ao advento da Web e da vida digital – protagonizados principalmente pelos jovens e, agora, também pelos adolescentes –, têm alterado saberes, deslocados certezas e, em consequência, produzido outras verdades discursivas as quais urge teorizar. É possível que estejamos em plena virada histórica em direção a um modo virtual, performático e hedonista da existência: uma sociedade juvenilizada! Mas ela pode estar nos condenando a uma espécie de narcisismo de massa dentro do espelho eletrônico, a nos fixar, como Eu imaginário, no júbilo do gozo antecipatório de nossa própria miragem. Subjetividades sem sujeito, aniquilamento do Eu simbólico, o outro objetificado? Talvez estejamos produzindo mais jovens como Moritz (o suicida de “O despertar da primavera”) do que como Melchior (e sua saída para além do espelho). Ora, adverte Rassial, que venha um outro discurso, “virtual”, no qual um sujeito aceite sustentar o lugar frágil do enunciador. Se for assim, proponho conceber para a mesa redonda um outro discurso que de fato alcance, no horizonte, a possível subjetividade digital de nossa época.
Sébastien Ponnou (Université de Normandie)
Que lugar é hoje dado à fala da criança e do adolescente nas instituições e na polis, e mais particularmente nas práticas de cuidado, educação e intervenção social? Que lugar para a palavra no tempo do reducionismo biológico, do New management das organizações, do capitalismo e da ciência como discursos dominantes? A prática analítica se fundamenta na fala do sujeito e no real que emerge no discurso. É uma prática do dizer, do sentido e do fora-do-sentido que se manifesta nos caminhos da transferência. Implica o encontro, o tempo e a presença dos corpos. Partindo de vinhetas clínicas [clignettes] da prática em consultório e em instituição e sustentado nas reflexões tecidas ao longo do cartel “Juventude/adolescência”, iniciado há quase dois anos com Dominique Méloni, Marcelo Ricardo Pereira, Jean-Jacques-Rassial (Mais-um) e Pedro Teixeira Castilho, tentaremos extrair as especificidades e as tessituras do dizer e as modalidades de trabalho da fala na adolescência: fala e objeto, cifra/decifração, articulação de registros RSI e práticas de enodoamento, sublimação, função do sintoma, fenômenos de corporização e nomeação, sinthoma, tropeço, invenção… Para além de questões e fenômenos de estrutura, buscaremos identificar a especificidade dos usos e funções da fala no trabalho analítico com adolescentes. Com isso, buscaremos identificar as operações particulares capazes de distinguir a especificidade das práticas de fala no campo da clínica psicanálise.
9. Processos educativos e inclusão no Brasil e na França: qual lugar para a fala de crianças e adolescentes em situação de deficiência?
Eric Plaisance (Universidade do Estado de Rio de Janeiro)
A França possui um longo passado de educação especial, segregada, para as crianças pejorativamente nomeadas de “anormais”. A partir dos anos 2000, a prioridade da escolarização em ambiente comum para as crianças “em situação de deficiência” foi sendo progressivamente fortalecida sob a denominação de “inclusão escolar” (lei de 2013) e depois de “educação inclusiva” (lei de 2019). Nós constatamos novos avanços a respeito da escolarização das crianças consideradas “deficientes” no meio escolar, mas verificamos, também, a presença de obstáculos que subsistem, por exemplo, na presença de crianças e adolescentes em dispositivos específicos, seja em meio escolar comum, seja em ambiente especializado no exterior. A grande questão, infelizmente pouco abordada nas pesquisas, é conhecer as percepções dos próprios alunos sobre a sua situação, dito de outro modo como eles se exprimem como sujeitos? As pesquisas de tipo etnográfico mostram os paradoxos e as dificuldades presentes no percurso rumo a uma educação inclusiva. Os alunos nomeados de “deficientes mentais”, que frequentam ao mesmo tempo uma instituição escolar e um dispositivo específico, testemunham as tensões que eles vivem nas interações com os outros e nos processos de aprendizagem. Eles mostram sua notável capacidade reflexiva, pois se encontram conscientes de que a sua inscrição escolar ainda esbarra em designações pejorativas que os desqualificam. No entanto, em situações provocadas pelos pesquisadores, eles podem reivindicar seu lugar específico e sua identidade, ainda que sua preocupação com o reconhecimento social se choque com a dimensão normativa da instituição escolar.
Mônica Rahme (Universidade Federal de Minas Gerais)
Esta apresentação tem como objetivo discutir transformações presentes na noção do autismo e seus efeitos para o campo educacional, tendo como referência operadores conceituais da Psicanálise. De quadro nosográfico sistematizado por Leo Kanner nos anos de 1940 como Distúrbio autístico do contato afetivo, o autismo é ressignificado, renomeado e reenquadrado em diferentes categorias ao longo de décadas, sendo redefinido como Transtorno do espectro autista (TEA) a partir da publicação da 5ª edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-V), em 2013. Além de introduzir a concepção de espectro na abordagem e diagnóstico do autismo, a emergência da noção de TEA se articula a um momento de forte medicalização da vida e é acompanhada por um acirramento da disputa de campos teóricos, em busca da hegemonia de seus discursos e de espaço no processo de implantação de políticas públicas. Esse movimento tem desdobramentos para o contexto escolar, pois tende a intensificar a psicopatologização da aprendizagem e a classificação dos comportamentos por meio de um discurso médico que, não raras vezes, acaba por reduzir a abertura das(os) professoras(es) no sentido de reinventar a sua própria prática educativa diante da heterogeneidade do público que se encontra no contexto escolar. Considerando esses impasses, focalizaremos nesta intervenção contribuições conceituais da Psicanálise para o trabalho educativo com crianças e jovens com autismo, como a questão dos focos de interesse, a temática dos objetos autísticos, do corpo pulsional e dos operadores Outro/outro, interrogando como a atenção a essas especificidades pode favorecer os processos educativos e as políticas públicas à medida em que permite um reconhecimento das subjetividades.
Simone Bicca Charczuk (Universidade Federal do Rio Grande do Sul)
Essa exposição parte da premissa de que cursos de formação de professores possuem como compromisso ético construir espaços de escuta e partilha para que os estudantes possam dizer de suas experiências docentes e seus impasses. A partir de narrativas de alunas do curso de pedagogia constato que estas mencionam uma formação insuficiente para balizar suas ações pedagógicas, em especial quando envolvem o trabalho com alunos autistas. Por outro lado, quando convidadas a falarem sobre suas práticas, elas relatam intervenções que contemplam a singularidade das crianças. Embora trazendo a potência de tais intervenções, elas não as reconhecem como um saber digno de nota frente aos conhecimentos científicos. Nesse sentido, em articulação com autores como Jean-Michel Vivès e Jean Claude Maleval, analiso situações vivenciadas no contexto universitário que buscam promover esses espaços de partilha, em especial o processo de elaboração de um trabalho de conclusão acompanhado durante o ano de 2021. Neste, a estudante aborda a sua atuação com uma aluna autista tendo como referência uma concepção psicanalítica do brincar. Nas várias cenas apresentadas, ela conta como foi se dando a construção de sua relação com Maju, percebendo seu apreço por um trenzinho de cor vermelha que se torna objeto mediador e que possibilitou a entrada e a permanência da menina no espaço da escola. Como conclusão de seu trabalho, a aluna destaca a importância de acompanhar e escutar a criança e de construir suas intervenções através dos movimentos que a própria menina indicava. Dessa forma, a estudante reconhece que os aspectos teóricos são imprescindíveis tanto à pesquisa quanto à prática pedagógica, desde que colocados como elementos em diálogo com as mediações docentes construídas em cada encontro educativo.
Isael Sena (Universidade Católica de Salvador de Bahia)
Nesta apresentação refletimos sobre os impasses vivenciados pelos pais de crianças autistas que lutam por justiça social e reconhecimento. São pessoas que vivem em espaços frágeis e são assistidas, em grupo, pelo Centro de Referência de Assistência Social – CRAS. Em nosso trabalho socioassistencial, as famílias buscam o serviço para terem acesso à Assistência Social, garantir o direito das crianças à inclusão escolar, gratuidade nos transportes e mediação para acessar o Benefício de Prestação Continuada – BPC, entre outros. Em nossa escuta, observamos que mães e pais nem sempre têm uma ampla compreensão de sua cidadania, que é frequentemente sonegada quando se deparam frente às instituições. Isso reflete o nosso modo de estabelecer o laço social no Brasil, que conserva em sua base um fascínio pelos vestígios escravagista, constituindo desse modo o nosso “sintoma nacional”. Os sofrimentos relatados pelos pais apontam também para a dimensão ético-política da dialética entre exclusão/inclusão desses sujeitos, que são geralmente estigmatizados e culpabilizados individualmente por sua situação social, legitimando, assim, modos de relações de poder. É nesse contexto adverso que desenvolvemos como estratégia de acolhimento às famílias um espaço “de liberação e de direito à palavra”, no qual escutamos e trabalhamos as queixas, buscando também implicar os pais nas microssoluções, de modo a mobilizá-los e tencionar os sujeitos diante dos discursos jurídico, pedagógico e da política. Dito de outro modo, promover a experiência política de politizar a palavra em prol da justiça social no que se refere ao lugar da criança no plano político e nas políticas públicas de cuidado.
* * *
© RUEPSY All rights reserved