12° Congresso Ruepsy
Palavra de criança : diálogos e mal-entendidos entre psicanálise et educação
Resumos de Comunicações Livres
Sessão 1
A relação professor-aluno no encontro online: impasses e possibilidades do processo de
aprendizagem universitária.
Lisiane Fachinetto(Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas, São Paulo)
A sociedade contemporânea é marcada por muitas mudanças na relação do sujeito com o mundo. Um mundo marcado pelo uso das tecnologias digitais no cotidiano dos sujeitos, uma vida em rede e conectada a nível global. O social está profundamente modificado, as alterações acontecem de forma muito rápida e exigem novas articulações (Lebrun, 2004). A crise gerada pela pandemia do Covid-19 exigiu criatividade para enfrentar a situação do isolamento social. No campo da educação, foi preciso que o professor inventasse novos arranjos para colocar as aprendizagens em movimento. O avanço da tecnologia permitiu que continuássemos a trabalhar na universidade na modalidade online, o que implicou no encontro entre professor e aluno no ciberespaço. O presente trabalho aborda a relação professor-aluno no contexto online, no encontro em tempo real, e suas implicações no processo de aprendizagem universitária. A relação é tomada a partir da noção de transferência no campo psicanalítico. Nesse sentido, analisamos a instauração da transferência de trabalho, conceito cunhado por Jacques Lacan (1964), a partir do encontro entre professor e aluno na modalidade online de ensino num curso de pós-graduação, e sua relação com a produção acadêmica. A transferência de trabalho nos interessa na medida em que: primeiro, o surgimento do desejo de saber se evidencia no aprofundamento das questões suscitadas nos próprios textos estudados e sua relação com a prática; segundo, no desejo de colocar em discussão aquilo que se está pensando. A experiência docente foi no sentido de propor a dimensão de abertura para o novo, para a produção do conhecimento que se instaura quando, em ambiente escolar, a transferência recebe um tratamento que a considera como uma via privilegiada para a possibilidade de transformar a energia psíquica (libido) em combustível para a elaboração intelectual.
Os ambientes virtuais de aprendizagem e desafios na docência com crianças pós-isolamento social.
Cleonice Bittencourt(Universidade de Brasília)
Inês Maria Marques Zanforlin Pires de Almeida (UnB)
Os ambientes virtuais de aprendizagem, espaços subjetivantes e produtores de linguagens (Bittencourt, 2022), acolhem os sujeitos que ali interagem e presentificam como humanos. Na pandemia de 2020 e 2021, foi possível cuidar, educar e brincar com crianças via espaços virtuais. Interrogamos se a passagem pelos AVAs trouxe novos desafios para a docência com crianças no pós-isolamento social. Haveria novas configurações na função docente, nas relações nas intuições educativas? Quais efeitos do reencontro frente a livre expressão da criança que dos espaços digitais retornou agora à sala de aula?
A criança entre a casa e a pré-escola: pesquisa-intervenção no contexto pós-pandemia de Covid-19.
Lila Tatiana Queiroz de Carvalho Souza (Universidade Federal do Rio de Janeiro)
Cristiana Carneiro (UFRJ)
Elina Pinho Bittencourt (UFRJ)
Marcele Guimarães da Silva (UFRJ)
Esta pesquisa está vinculada ao grupo de pesquisa e extensão Formação de Professores: infância, adolescência e mal-estar na escolarização, coordenado pela professora Cristiana Carneiro, em parceria com a pesquisa “Reenlaces: estratégias ante o mal-estar e a patologização da infância e adolescência na educação pós-pandemia” das Faculdades de Educação da UFRJ, da UFF e da UNIRIO. Durante o ano letivo de 2022, acompanhamos o retorno das aulas presenciais, após dois anos de pandemia de Covid-19 e de ensino remoto, em uma pré-escola municipal, localizada na região serrana do interior do Estado do Rio de Janeiro. Nosso objetivo foi investigar os impactos decorrentes do período pandêmico e do ensino remoto sobre a subjetividade das crianças, os quais poderiam ser identificados no retorno das aulas presenciais. Colocamos em curso o dispositivo da pesquisa-intervenção (Castro, 2008) na escola, com cinquenta e nove estudantes entre cinco e seis anos de idade, visando reunir algumas experiências sobre o período pandêmico a partir do ponto de vista das próprias crianças. Por meio dos desenhos (Dolto, 2007) e das narrativas, as crianças entregaram uma contribuição original sobre seus modos de perceber e significar seus mundos.
Sessão 2
Reflexões acerca de Jota: os efeitos da discursividade hegemônica para um sujeito em situação de vulnerabilidade social.
Paula Gus Gomes (UFRGS e Lugar de Vida, Brasil)
Este trabalho visa discutir um recorte do meu trabalho como educadora social na oficina de contos de um coletivo que oferece atividades para crianças e adolescentes em uma região periférica de Porto Alegre (RS). Nesse contexto me deparei com Jota, que era reconhecido como encrenqueiro e marginal. A ligação entre sua família e o tráfico de drogas lhe garantia um olhar atravessado desde esse lugar e, frente a isso, ele assentia. Para a psicanálise, o bebê se torna sujeito ao ser falado pelo Outro, que o inscreve em um discurso. A discursividade produz matizes de sentido que podem restringir as possibilidades de existência de determinados sujeitos. Este processo se restringe ainda mais quando nos vemos diante do apagamento discursivo de sujeitos que estão submetidos ao discurso social hegemónico. Estes sujeitos são capturados pela demanda do Outro social e ficam aderidos a certos significantes, produzindo sintomas. Desta forma, alguns discursos sociais fixam o sujeito em identidades imaginárias desqualificadas que justificam sua exclusão. Entretanto, a partir de algumas intervenções, Jota conseguiu se distanciar desta discursividade aprisionante e ensaiar outras posições no laço. De acordo com a minha leitura, isso se deu porque Jota pôde se encontrar com 1) semelhantes que lhe devolviam uma posição diferente daquela na qual ele estava aprisionado; 2) uma instituição que permitiu suspender a demarcação discursiva intensa da criminalidade; e 3) uma história literária que abriu a polissemia dos significantes com os quais ele se identificava.
A “alta complexidade” do processo educativo na socioeducação: o campo da palavra e a função de escuta.
Cristina Rocha Dias (Universidade de São Paulo)
As demandas que se apresentam aos educadores nas situações de ruptura, de separação e de violência, assim como de cuidados e de proteção, constituem ao mesmo tempo um impasse e um recurso na formação de profissionais que trabalham no campo social. São cenas que interrogam a prática cotidiana das equipes, tornando explícito tanto um discurso excludente como resposta às cenas de delinquência e ao abandono consecutivo das crianças, adolescentes e suas famílias, quanto formas de controle, de punição e de segregação presentes nas estratégias de intervenção e de cuidados, que contribuem para a manutenção da ordem institucional. Nesse sentido, os educadores sociais agem e se apresentam como impotentes, marcados pela repetição e pela busca de sentido diante dos aspectos mais enigmáticos da relação com as crianças e adolescentes em contextos de vulnerabilidade, sem poder “tirar o corpo fora” desse laço singular que produz um efeito de estranhamento. Com base na experiência de supervisão de equipes que trabalham nesse campo, pretendemos abordar os elementos que sustentam a prática da educação social e o que é transmitido, no cotidiano, de seu aspecto político e educativo. Procuramos refletir sobre as marcas históricas da lógica colonial e carcerária que retornam nas práticas socioeducativas, e que se revelam nos impasses localizados no campo da fala e da escuta e na grande complexidade desta. Compreender as especificidades da função educativa nesse contexto, através da escuta clínica política de resistência aos processos de alienação social, permite considerar o sofrimento psíquico produzido, abrindo um campo de invenção de novas possibilidades de historiar os laços.
Por uma prática que amestre ouvidos nas medidas socioeducativas.
Danielly Meirelles Espindola (Universidade do Estado do Rio de Janeiro)
Sonia Alberti (UERJ)
Aline Lima Tavares (UERJ)
Paula Matoski Butture (UERJ)
Ao escrever que “estamos aqui a amestrar os ouvidos ao termo sujeito”, Lacan (1951) nos permite deduzir que a escuta que se inclina ao sujeito não é natural nem espontânea. É preciso amansá-la para propiciar uma que traga à tona o tempo da palavra como forma de acesso ao sujeito. Nas instituições de cumprimento de Medida Socioeducativa, existe uma prerrogativa de se levar em consideração a subjetividade dos adolescentes. Todavia, observa-se que há um consentimento generalizado para com a redução do trabalho dos profissionais a um recolhimento de dados e às intervenções aceleradas que foracluem a singularidade. Em nome de um “para-todos”, se oculta um lugar de depositário de direitos e de responsabilização atribuído aos adolescentes, sem que sejam escutados. Guiado pela ambição de transformar a vida do adolescente, sob a égide que ordena a lei, o trabalho se exime de criar condições para os sujeitos encontrarem-se com a verdade, que só pode ser meio dita. Interpretar o recalque da subjetividade nessas instituições é necessário. Na contramão do que fazem os outros discursos, o da psicanálise nos possibilita interrogar: qual é a minha responsabilidade nisso de que eu, analista na instituição, me queixo? Os adolescentes responderão se não há quem lhes pergunte? Fazendo circular os discursos, a psicanálise faz furo no saber que aspira à totalização, deixando de fora o que é mais caro ao analista: o sujeito da fala, sempre dividido.
Sessão 3
O lugar da angústia na demanda e seu potencial desalienador.
Marcelle dos Santos Borges Da Silva (Universidade Federal Fluminense)
Em uma sociedade estruturada pelo racismo, como a brasileira, e marcada pelo trauma decorrente dele, pensar em uma educação emancipadora e capaz de contribuir para a construção subjetiva do negro é de suma importância. Esta comunicação dedica-se a debater o conceito de angústia sinal como um dos meios ou formas de “desalienação” de negras e negros para a formação de sujeitos emancipados. A escola é um espaço onde não somente se constrói o saber, mas também o pensamento intelectual e subjetivo. Um dos seus objetivos é a inserção do indivíduo no meio social. Entretanto, dentro de um racismo estrutural profundo na sociedade brasileira, o espaço escolar passa a ser também um local de violências, principalmente psíquicas que geram angústias para os nossos estudantes negros de todos os segmentos estudantis. Dessa forma, o olhar do professor ante as demandas desses sujeitos precisa ser revisto. Pensamos a educação enquanto libertadora, assim como defendia Paulo Freire. Dessa forma, no campo da educação em consonância com a psicanálise, é possível também vislumbrar a figura do professor como potencial desencadeador de angústia, seja na eclosão, seja na transformação desse afeto. Dessa maneira, o professor também é parte na desalienação dos nossos estudantes. Com base nas teorias da angústia presentes em Freud e Lacan, analisamos a transição desses afetos, da angústia em desejo, concebendo principalmente sua vertente de “desalienação”.
Entre a literatura infantil e a infância.
Alana Araújo Corrêa Simões (Universidade Federal de Minas Gerais)
A literatura infantil origina-se junto aos contos de fadas que ganham destaque narrativo junto à infância. Esses contos não nasceram direcionados para a infância, mas passaram por uma infantilização concomitante à descoberta da própria infância (Ariès, 1960). O resultado é uma narrativa predominantemente moral, censurando-se resquícios pagãos e da sexualidade humana. Como efeito, distancia-se o infantil da própria infância. O infantil estrutura-se enquanto uma verdade psíquica com estrutura de ficção, ao mesmo tempo em que o infantil e as lembranças encobridoras constituem o sujeito, oferecem uma chave de leitura e interpretação para tal constituição. De acordo com Pedó (2011), o infantil aparece na obra de Freud como um « tempo matriz » – relativo à origem do sintoma, cuja sexualidade ainda não se apresenta como genital. Desse modo, entende-se que a infância é moldada pelo infantil. Freud (1899) questiona sobre a fidedignidade das lembranças de nossa infância. Assim, a infância passa a ser entendida como ficção construída por cada sujeito frente ao infantil (Bemfica; Guerra, 2012). Para Ana Maria Machado (1999), o infantil presente na “literatura infantil”, não restringe o sentido do substantivo literatura, mas amplia-o: não se limitando às crianças, mas que também pode ser lida por crianças. Essa literatura não deixa de abordar os sintomas e discursos infantis, promovendo um encontro da criança frente a seu próprio desejo e sua história. Portanto, distante de uma pedagogização moral da infância, apresenta-se como dispositivo essencial para tensionar o cenário analítico e educacional, sendo facilitadora da fala e do laço social.
Restos e rastros de um passado que insiste: O lugar da infância e do infantil nas memórias educativas de professores.
Silvano Messias dos Santos (Universidade de Brasília)
Inês Maria Marques Zanforlin Pires de Almeida (UnB)
Esse texto se baseia na pesquisa de doutoramento desenvolvimento junto à Universidade de Brasília. Propõe refletir sobre o lugar da infância e do infantil em memórias educativas de professores. Por meio de entrevistas clínicas e escrita de memórias educativas, os professores resgataram experiências que marcaram suas trajetórias de vida e formação escolar.
O estudo aponta que as experiências infantis ocupam um lugar fundante nos processos de constituição da subjetividade dos sujeitos. A partir de Freud (1914) e Lacan (1995), sustentamos que o infantil é onipotente, atemporal e para sempre habitará “o adulto” como resto de um passado ainda presente, vivo e pulsante. No regresso aos “tempos de criança”, os professores compreendem que vivências do passado escolar sofrem “reatualizações” inconscientes, reproduzidas nas práticas pedagógicas atuais, e revelam possíveis encontros/desencontros com “sua criança”, despertados também na relação com os alunos no chão da escola. Ao lembrar suas memórias educativas, tiveram a oportunidade de reconstruir experiências infantis, (re)posicionar-se subjetivamente face às marcas sinalizadoras de sua constituição subjetiva, compreender o significado do desejo de educador(a), como esse desejo emergiu e de que forma se sustenta na atualidade. Destarte, pensamos que se há uma educação implicada, a relação adulto-criança no chão da escola evoca a dialetização do estranho-familiar e recoloca o adulto/professor face à castração, ao resto que retorna na cena educativa (Lajonquière, 2010). Esse resto é o infantil que permanece no “adulto”. Afinal, como desvela a psicanálise, “a vida adulta é sempre menos adulta do que parece: ela é pilotada por restos e rastos da infância” (Calligaris, 2010).
Sessão 4
Falas e discursos de adolescentes no Ensino Médio: entre subjetivação por objetivação e subjetivação por autotransformação?
Mej Hilbold (Université Paris 8)
Véronique Kannengiesser (Université Jules Verne)
No âmbito de uma pesquisa conduzida a partir de janeiro de 2021 em um liceu parisiense (ensino médio), nós tivemos encontros com alunas entre 15 e 18 anos com o intuito de lhes dar a oportunidade de se expressarem sobre sua circulação na cidade e sobre as imposições e interpelações a que são submetidas. Essa pesquisa tem como foco a fala singular que elas puderam sustentar diante de nós, o que exigiu uma constante precaução por parte das pesquisadoras para distinguir os discursos das falas: presas nos discursos dos adultos de várias maneiras, as alunas se arriscam raramente a uma palavra que lhes seria própria. Desdobraremos os diferentes discursos identificados em torno delas e dos quais pudemos encontrar traços naquilo que elas puderam nos dizer, com base na distinção feita por Pierre Dardot: a subjetivação por objetivação na qual “uma subjetividade se constitui em função da maneira pela qual o poder investiu o indivíduo tomando-o como alvo de uma intervenção específica” versus a subjetivação por autotransformação na qual “a relação a si mesmo resulta da ação adotada pelo indivíduo sobre si-mesmo: temos nesse caso um trabalho de autotransformação, um trabalho de si sobre si que é uma atividade de formação de si, e não o simples efeito de um investimento operado pelo poder” (Dardot, 2011).
O acerto de contas com a criança interior: relatos de docentes dissidentes sexuais e de gênero do Ensino Superior do Estado de Minas Gerais.
Lucas Eduardo Souza Assunção Lopes (Universidade Federal de Ouro Preto)
Margareth Diniz (UFOP)
Este resumo visa interrogar a indicação freudiana (1925/1966), a respeito das/os educadoras/es que trabalham com crianças, onde ele recomendou que essas pessoas recebessem uma formação psicanalítica, tal formação poderia ser mais frutífera se a própria pessoa se submetesse também a uma análise. Tal indicação se sustenta na contemporaneidade? A fim de discorrer mais ainda sobre isso, selecionei excertos de falas de dois sujeitos colaboradoras/es da minha pesquisa de Mestrado para o Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) a fim de esmiuçar a ruptura de um saber inconsciente a partir dos seus relatos sobre a sua relação com o saber e o “estilo” docente de suas práticas. Pretendi com este movimento apresentar como o ato de acertar as contas com a sua criança interior pode produzir retificações subjetivas no ato de transmissão docente, de forma a abrir uma via para que um trabalho docente implicado possa acontecer. No primeiro relato, da colaboradora Renata, ela verbalizou: “Eu aprendi com a minha criança. (…) precisei acertar as contas com a minha criança. Precisei fazer isso pela análise. (…) Fiz questão de recalcar um monte de coisa que estava lá e não queria lembrar de jeito nenhum, quase sempre em relação com a sexualidade, em relação a esse lugar de menina quieta, comportada… que tinha que cumprir com as normas e as regras, senão, ia ser punida”. O segundo relato, do colaborador Léo, remontou a um episódio de desorganização ao relatar para os seus pais sobre a sua orientação sexual: “Eu fui uma criança muito religiosa… Então ao falar sobre a minha não-heterossexualidade com os meus pais (…) eu já tinha todo um script desenhado na minha cabeça… eles vão falar que eu vou ter que sair de casa e eu vou falar que, para não sair de casa, eu abro mão da minha sexualidade”. O discurso desses dois sujeitos elucidou a importância do acerto de contas com a criança interior a fim de deixar cair amparos fantasísticos diante daquilo que parece difícil para o sujeito suportar e, consequentemente, querer se haver. O encontro com o sexual, já dizia Freud (1932) é sempre traumático. No entanto, para ambos, o ato de poder falar sobre essas questões, elaborando-as em análise se fez como cruciais para a emersão de um estilo docente autoral, portanto, implicado com a incidência da sexualidade em suas práticas, assim como o consentimento de que há um saber inconsciente presente em seus ofícios.
Sessão 5
A expulsão da instância imaginária no encaminhamento autístico: um percurso pelo nó borromeano.
Lara Batista Belfi (Universidade Federal do Espírito Santo)
Ariana Lucero (UFES)
Se para a teoria lacaniana, o tempo infantil é o tempo de constituição do sujeito, quais são os princípios que constituem as especificidades dos graves quadros clínicos infantis? De que maneira os comprometimentos de linguagem desses quadros podem interferir nas demandas educacionais? Com esses questionamentos em vista, este trabalho irá investigar o quadro clínico do autismo a partir da proposta da psicanalista Laznik (2016) de abordar as psicopatologias da infância enquanto modalidades de enodamento do nó borromeano. A hipótese de que o nó borromeano tem sua consistência em três elos inseparáveis é efeito de seis gestos, insinua que há seis movimentos que as instâncias Real, Simbólica e Imaginária devem realizar para que consistam em inconsciente (Vorcaro, 2004). Com isso em vista, Laznik (2016) sugere que os quadros psicopatológicos graves das crianças equivalem ao comprometimento severo de três destas seis movimentações. Nesta direção, os impasses que representam um encaminhamento autístico são tratados como impedimentos dos movimentos 1, 2, e 5, que, assim, excluem o registro Imaginário, comprometendo a tessitura em três elos do nó borromeano. Nosso objetivo é investigar de que maneira a instância imaginária pode estar sendo excluída do psiquismo, considerando a importância que o brincar e o fantasiar – funções obstruídas para os autistas – possui para os processos de aprendizagem, além do laço social. Elucidando as operações fundamentais ao inconsciente, representadas pelos movimentos 1, 2 e 5, visamos favorecer intervenções clínicas que alterem o rumo do sujeito na linguagem e que não sejam reduzidas às demandas escolares de adequações comportamentais. Também daremos ênfase ao tempo 0, ponto de partida do ser-vivo em direção à fala, confrontando as hipóteses de que o autista estaria fora da linguagem.
Autismo e mediação: interfaces com o CAPS IJ.
Victória Giacomin Reali (Universidade Federal do Espírito Santo)
Daniel Barros Bermudes (UFES)
Ariana Lucero (UFES)
No campo da psicopatologia infantil, o autismo ainda ocupa um lugar de divergências, tanto associadas às suas possíveis causas, como às diversas propostas de tratamento e cuidados envolvendo sua clínica. Ao transpormos esse debate para o ponto de vista do trabalho realizado na saúde pública brasileira, verificamos que o cuidado às crianças autistas acontece de maneira privilegiada nos Centros de Atenção Psicossocial Infanto-Juvenil (CAPS IJ), a partir de uma prática que considera a proposta de grupos com objetos mediadores como forma interessante de buscar diferentes possibilidades de vias de acesso ao simbólico, à medida que considera a singularidade de cada caso e a dinâmica grupal. Nesse cenário, essa pesquisa se propõe a interrogar as técnicas de intervenção envolvendo o autismo, realizadas no CAPS IJ, refletindo sobre as contribuições da clínica psicanalítica diante do desafio de um fazer clínico de uma oficina ou de uma intervenção institucional. Busca-se produzir questões acerca das psicopatologias da infância, considerando os aportes teóricos da psicanálise de orientação lacaniana. Para tanto, tomaremos como referência a recente publicação do livro de J.- M. Vives (2021), Autismo e Mediação, na medida em que o autor sustenta as intervenções psicanalíticas através do conceito de mediação a partir de um estudo sobre a constituição subjetiva que leva em consideração, sobremaneira, a pulsão invocante.
O autismo e a relação adulto-criança: questões para o vínculo social.
Letícia Vier Machado (Universidade Estadual de Maringá, Brasil)
O autismo se tornou um significante do laço entre adultos e crianças, comparecendo mesmo onde não se apresenta. Propomos o seguinte questionamento: em que medida o amálgama “criança autista”, como presença mais fantasmática do que real na relação adulto-criança, diz de uma Criança ideal, que responde às necessidades de uma sociedade neoliberal? Paradoxalmente, o autismo nos convoca a definir os limites do sub e do super-humano, ora colocado fora do que é normativamente entendido como humano, ora reintegrado na normatividade como uma hiperversão do ser humano. Quando se adapta a uma forma de ser que responde à lógica produtiva, suscita fascinação. O Autista, personagem do imaginário contemporâneo, parece incarnar o ideal do potencial escondido, fazendo das dificuldades encontradas motivos de superação para atingir a autonomia prometida da modernidade (Ehrenberg, 2018). Ele é projetado no horizonte das expectativas suscitadas por um modelo de desenvolvimento pleno, alimentando uma nova faceta da velha “ilusão psicopedagógica” (Lajonquière, 1999). Por outro lado, quando o Autista é tomado na imutabilidade descrita por Kanner, poderíamos supor que, porque é privado de palavra, dispensaria qualquer necessidade de compreensão. Na vida cotidiana com as crianças, a possibilidade da existência de um comportamento sem sujeito, que substituiria a educação pela instrução (Mannoni, 1973), pouparia a entrada no laço social e, por conseguinte, a necessidade de se confrontar ao resto que causa o desejo, implicando a entrada no laço. Nas duas posições, o laço social está em jogo; seu questionamento, reposicionado pela posição de inconveniência que encarnam as crianças, ou na designação que responde ao imaginário em voga, fazendo dele um novo normal.
Sessão 6
Por uma elucidação psicanalítica da noção de “necessidades educativas especiais”: qual o lugar da palavra das “crianças débeis” na escola inclusiva?
Floriana Baldassi D’Arrigo (Université Paris 8)
O projeto de escola inclusiva, instituído pela Lei n. 2019-761 (26/07/19) na França, se serve da noção de necessidades educativas especiais como pedra angular da inclusão das crianças ditas deficientes mentais. Abre-se a possibilidade de educar e de escolarizar essas crianças não tão comuns, vinculado-as à localização de suas necessidades educativas especiais e do correspondente método educativo. A educação e a escolarização dessas crianças no meio dito regular são consideradas a partir de então como direitos inquestionáveis de toda criança. Nossa hipótese é a de que essa lógica, que sustenta o projeto da escola inclusiva, faria da criança dita com NEE objeto de um discurso que a “privaria de sua competência face a suas dificuldades” (Maleval, 2009) para capturá-la assim no lugar previsto pela sua necessidade especial, sem possibilidade “de se assumir como ser autônomo ultrapassando a fronteira traçada pelo Outro” (Mannoni, 1964). Nós qualificamos essa lógica de ilusão psicopedagógica (de Lajonquière, 2020) seguindo o pensamento freudiano em torno da ilusão religiosa. A escola inclusiva, estruturada por essa ilusão, terminaria por fazer obstáculo ao trabalho subjetivo de conquista de um lugar de palavra pela criança dita deficiente mental, reduzindo-a a suas necessidades educativas especiais.
A educação em tempos de TND.
Anna Konrad (Centre Médico-Psycho-Pédagogique de Pantin)
Ao longo dos anos de prática psiquiátrica no Centro Médico-Psico-Pedagógico (CMPP), a educação me apareceu como o que acontece à criança a despeito das intenções e dos voluntarismos. Ela acontece em vez de se organizar, ela advém em vez de se construir.
A consulta familiar e individual com a criança e o tempo estendido permitem observar os efeitos da palavra aí contida, mesmo onde uma psicopatologia manifesta pareceu selar o destino, amarrando para sempre a criança a uma deficiência. Na realidade, as vias que permitem fazer suplência às etapas iniciais que não foram ultrapassadas são surpreendentes e numerosas. Iremos apresentar alguns caminhos percorridos por crianças que começaram a educação infantil para chegar ao limiar da adolescência. A educação da qual participamos no CMPP teve como protagonistas a criança e seus pais, os professores e os profissionais. O laço social entre esses atores teve um papel central na “recuperação” simbólica que pôde se dar para algumas crianças. A entrada nesse espaço de irmãos e irmãs já presentes na família ou que nasceram nesse meio-tempo foi também por vezes determinante como vozes dissonantes do coro, mas que contribuíram com a frequência harmônica. Os poderes públicos querem fazer “evoluir” os CMPP para que se tornem um recurso para a inclusão escolar do deficiente, lugares de tecnicismo orientados para auxiliar as aquisições de competências. Os TND ou transtornos do neuro-desenvolvimento cabem perfeitamente nesse projeto. Buscando agradar às expectativas de pais supostamente representativos da população, o jogo atual atiça o diabo: o esquecimento e a exclusão do real e do sofrimento.
Hiperatividade no cruzamento do singular com o imperativo normativo contemporâneo.
Elodie Savet (Université Aix-Marseille)
Hoje em dia, a taxa de prevalência do transtorno hiperativo não para de aumentar. Tal é a constatação de partida do presente estudo. Esse transtorno se exprime em uma sociedade cada vez mais padronizada e racionalista. O objetivo é fazer de cada criança um cidadão eficaz e útil para a pólis. Essas injunções sociais têm um impacto sobre o sistema de saúde. Com efeito, não se trata mais de ouvir o sintoma do sujeito, mas de abordar em que esse sujeito excede a norma coletivamente determinada. As palavras-mestre são avaliação e readaptação. Os critérios diagnósticos do transtorno hiperativo, observáveis e quantificáveis, respondem a esses novos eixos clínicos e sociais, marcados pelo imperativo da padronização. É sobre essas evoluções que se constrói nosso questionamento: o transtorno hiperativo é uma objetivação da era social hipermoderna? É uma resposta aos imperativos sócio-culturais? Torna-se um modo de ser adotado frente às expectativas do Outro social? A criança ou o adolescente dito hiperativo revela aquilo que transmite a linguagem de nossa época, linguagem que rejeita o fora-da-norma, deixando cada vez menos espaço para a singularidade e convocando o clínico de orientação analítica a ver o sujeito mais além das manifestações do sofrimento que ostentam a marca dos ideais contemporâneos? O objetivo desse estudo é situar o transtorno hiperativo em sua relação com a subjetividade das crianças e adolescentes, interrogando ao mesmo tempo o enquadre cultural dentro do qual ele se exprime. Afastado de todo acento derrotista, esse estudo convida a vincular às atuais transformações sociais, o aparecimento de novos modos de expressão singulares.
Sessão 7
Quando o silêncio é palavra. E com relação ao silêncio e à fala na sala de aula?
Christelle Claquin (Université Paris Nanterre)
Para essa comunicação, eu gostaria de propor algumas pistas de reflexão em torno do silêncio e da fala na sala de aula. Essa proposta se dá no cruzamento de minha pesquisa sobre a prática docente na linha de trabalho da abordagem clínica de orientação psicanalítica no campo da educação e da formação (Blanchard-Laville et coll., 2005) e do testemunho de minha história pessoal como vítima de incesto. Quando aluna, eu sempre fui silenciosa e nenhum professor nunca me perguntou porque eu não falava ou falava muito pouco. A demanda sempre foi a da adequação ao discurso escolar, mas nunca a do acolhimento e da escuta do silêncio. Foram necessários muitos anos para descobrir que minha inibição escolar estava ligada aos abusos sexuais na infância e para compreender que por trás da aluna silenciosa se escondia a infância “rompida” (Bonnet, 2021) e, por extensão, a relação de controle e de imposição do silêncio, do segredo. Ao longo de minha tese de doutorado sobre o olhar na sala de aula emergiu a questão da estigmatização dos alunos (inclusive os “silenciosos”) e sua articulação com a relação ao saber. Na sala de aula, o aluno silencioso é frequentemente estigmatizado e acaba por não ser mais visível, como se fosse transparente, por ele não ter ou ter poucas interações pedagógicas com o professor. Não se trata aqui, por sua vez, de estigmatizar esse último, mas de interrogar a articulação entre silêncio, palavra e relação ao saber na sala de aula. Ainda, de questionar o sentido da palavra (Breton, Le Breton, 2017) hoje na Escola contemporânea onde ela é frequentemente estruturada e restrita.
Do significante ao estigma: cena da vida cotidiana de uma classe de colégio.
Elisabeth Colay (Université Paris 8)
A partir da análise de uma situação apresentada por uma professora de espanhol, nós podemos observar como os significantes depositados sobre os alunos “deixam marcas” e como é acolhida a palavra dos alunos. O quase-sintagma “burro, inútil, idiota” pronunciado pelos alunos para se auto-designar, em uma oficina para alunos “em risco de evasão” [en décrochage], me foi relatado durante uma entrevista clínica por uma professora, que os designa como “em evasão ativa”. Com base nas palavras proferidas por um aluno ressentido, a professora chama a atenção para uma adjetivação defensiva e se pergunta sobre o impacto das palavras e do olhar depositado sobre o aluno que lhe atribuem um lugar e o “inscrevem” na classe: os efeitos de uma adjetivação que estigmatiza se fazem ouvir. Através da análise de passagens dessa entrevista, podemos avaliar como as palavras, sem impor um determinismo insuperável, “selam destinos, não por serem verdades que se verificam todas as vezes, mas por seu poder de determinação” (Cifali, 1994). O peso das palavras – “julgamento” segundo a professora – parece pesar sobre os alunos, que exprimem uma rejeição do outro e de si nos insultos proferidos em sala. Quais discursos são audíveis na instituição escolar? Até onde um adolescente pode “se expressar” desde seu estatuto de aluno? Como os professores percebem a palavra dos alunos e que lugar eles deixam para aquela dos sujeitos adolescentes? Eis as questões que colocam tal situação de sala de aula tão frequente na prática docente nos colégios.
O corpo que se fala e que se cala na educação infantil.
Liz Vitória do Amaral (Universidade de São Paulo)
Ana Clara Figueiredo (USP)
Na rotina da educação infantil, as crianças trazem consigo impasses relacionados à vida fora da instituição que as atravessam completamente e refletem em sua forma de lidar consigo e com os outros no espaço escolar. Nessa faixa etária (de 0 a 5 anos), por ser um momento inicial de engajamento numa fala articulada – e longe da vista de seus pais-, as crianças falam através de seu corpo: as angústias não elaboradas muitas vezes encontram vazão a partir do grito, do lançar de objetos, mordidas, choro, tristeza e a sensibilidade. Essas atitudes desorganizadoras das crianças, que desorganizam a si, à seus pares e ao espaço escolar, juntam-se às diferentes demandas que a professora da educação infantil precisa lidar em sala de aula. Muitas são as pedagogias e psicologias que buscam responder com soluções cirúrgicas a estas manifestações e acabam por silenciar ou ignorar algo que está latente. No entanto, entendendo que o corpo está enlaçado pulsionalmente por um psíquico que começa a elaborar-se e constituir-se e, que a escola, neste período da infância, tem forte influência para esta constituição subjetiva. O processo de estruturação de um vir-a-ser, ter um olhar e uma escuta sensível às demandas da criança, fornecem às professoras um outro tipo de ferramenta para o manejo destas atitudes desorganizadoras, possibilitando uma verdadeira escuta deste ser que está experimentando arriscar-se no espaço ‘não-tão familiar’. Nossa reflexão é embasada partir de dois relatos de casos de sala de aula com crianças que trazem atitudes altamente desorganizadoras para seu grupo, o espaço e o continuamento das atividades pedagógicas, relatando quais os impasses vividos, como as professoras e o espaço escolar puderam acolhê-los ou não, a fim de contribuir para o debate e as possibilidades de diálogos que a psicanálise e a educação podem promover.
Sessão 8
Superar ou voltar ao que era antes? Perdas e ganhos na palavra de adolescentes no contexto pandêmico.
Larissa Costa Beber Scherer (Universidade Federal do Rio de Janeiro)
Karin Müller (UFRJ)
Fernanda Sarmento Cavour (UFRJ)
Cristiana Carneiro (UFRJ)
Lila Tatiana Queiroz de Carvalho Souza (UFRJ)
Elina Pinho Bittencourt (UFRJ)
Mariana Scrinzi (UFRJ)
Este trabalho se articula à pesquisa-intervenção “Reenlaces: estratégias ante o mal-estar e a patologização da infância e adolescência na educação pós-pandemia”. Pretende relacionar as perdas vivenciadas em meio ao contexto pandêmico, o processo do adolescer e o retorno ao ensino presencial, problematizando consequências de tais vivências à luz da passagem adolescente. Para tanto, foram realizadas rodas de conversas e oficinas com alunos de escolas públicas do Rio de Janeiro (Brasil), escutando-os acerca das vivências no contexto pandêmico, refletindo sobre a maneira que esses períodos impactaram, principalmente, em sua relação com a escola e como se deram esses impactos no retorno presencial. O material produzido foi registrado a partir de crônicas, seguindo a metodologia de Broide (2015). A fundamentação teórica baseia-se em autores que estabelecem diálogo entre Psicanálise e Educação. Através da análise do material, percebeu-se distintas nuances referidas ao processo de perda, contrastando com alguns ganhos também nomeados. Observou-se que as perdas vividas no contexto da pandemia assumem efeito singular, implicando em desdobramentos do trabalho de luto: do laço com o outro e com a aprendizagem, somadas às possibilidades de elaboração da passagem adolescente.
Reflexões sobre o impacto do fechamento das escolas no adolescer.
Raquel Pinheiro (Universidade Federal do Rio de Janeiro)
Beatriz Barbosa (UFRJ)
Hilana Weisz (UFRJ)
Mylla Pena (UFRJ)
Thaysa Santos (UFRJ)
Cristiana Carneiro (UFRJ)
O trabalho foi derivado do projeto Reenlaces: estratégias ante o mal-estar e a patologização da infância e adolescência na educação pós-pandemia e visou mapear o mal-estar e intervir com alunos e educadores, buscando compreender as estratégias de enfrentamento no retorno presencial as escolas públicas do Estado do Rio de Janeiro. Baseado na pesquisa-intervenção, o projeto escutou alunos e educadores e desenvolveu atividades com adolescentes do último ano do ensino fundamental e médio. Nas atividades, as perguntas: “E agora?”, “Quem eu era e quem eu sou?”, “Como é estar na escola?” visaram escutar sobre o retorno ao presencial. Foi construída uma crônica embasada na metodologia do psicanalista Broide (2016), destacando posteriormente o tema adolescência. Segundo Siniscalchi e Carneiro (2019), a adolescência pode ser entendida como uma transição em que é preciso romper com uma infância idealizada, na qual se tinha uma vida em família para ingressar na vida em sociedade. Concordando com Coutinho (2022), essa travessia pode ser vivenciada por uma sensação de desamparo. O ambiente escolar e os laços construídos são como um amparo quando os laços familiares estão mais frouxos. Considerando a escola um balizador, questionamos como é ser adolescente sem a escola presencial, sob a luz da psicanálise. Observamos a adolescência atravessada pela pandemia. Os alunos expressaram que os laços sociais não foram supridos virtualmente e manifestaram o desejo de voltar ao momento pré-pandemia para resgatar o tempo longe da escola, expressando sua importância na adolescência.
Efeitos da pandemia em gestoras de escolas do ensino fundamental em Belo Horizonte, Brasil.
Maralice de Souza Neves (Universidade Federal de Minas Gerais)
O Programa Brota: juventude, educação e cultura, atende adolescentes de escolas públicas municipais da capital do estado buscando despertar o desejo pelo saber por meio das artes, da cultura e da palavra (Grillo, Lima, 2020). Uma metodologia utilizada é a conversação de orientação psicanalítica (Lacadée, Monier, 2000; Miranda, Santiago, 2010; Viola, Lima, Rimet, 2020). É uma pesquisa-intervenção de escuta aos estudantes sob a lógica lacaniana do tempo que se modula diante de um problema a ser resolvido: o instante de ver, o tempo para compreender e o momento de concluir (Lacan, 1945), buscando a formação do laço social e a construção de um “saber-fazer” diante do risco do abandono escolar. As atividades presenciais foram interrompidas em 2021-2022 e os encontros virtuais não obtiveram a adesão dos estudantes. Passamos a conduzir conversações com gestoras de escolas municipais de ensino infantil por estarem amedrontadas com a morte de uma colega por Covid-19 e angustiadas com a responsabilidade pelo retorno presencial das crianças à escola em 2021. As conversações possibilitaram falar do medo da morte e da elaboração do luto pelas perdas pessoais. Notamos deslizes para “um saber-fazer” diante das contingências nas formas particulares de acolher alunos da educação especial. Apesar das interrupções e problemas de conexão, houve transferência e associação livre coletiva. A palavra afeta o corpo (Lacan, 1985) e o espaço coletivo mediado pela tela desencadeou afetos e efeitos subjetivos. Após a catarse do instante de ver, houve mudança do tom para certo bom humor e saídas para os impasses, caracterizando o tempo de compreender na elaboração do luto (Freud, 2015).
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